Capítulo 30

4K 344 40
                                    

DORNALDO DOFIANO
Bom pai e chefe dedicado.

Bom pai? Não tenho como conter a risada que se espalha junto ao vento pelo cemitério, me surpreende não ter um único indício de vandalismo no túmulo do velho. Eu soube que assim que descobriram a morte dele, duas famílias inimigas se juntaram e fizeram a maior festa, bem no dia que o velho foi enterrado. Depois da festa, bom, pode se dizer que o território daqueles idiotas são meus agora.
Minha vontade de rir some ao encarar a lápide bem ao lado dá do velho.

MARTA DOFIANO
Esposa e mãe dedicada.

Esqueceram de acrescentar que ela era a bondade em pessoa? Que mesmo com o marido terrível que tinha, nunca deixou de amá-lo? Não é que esqueceram, só não puderam colocar. Como também as datas de morte e nascimento, afinal o respeitado Dornaldo não gostava de datas. Estranho? Sim, mas o Diego respeitou o gosto do velho.

Sinceramente acho que visitei esse cemitério duas vezes. Quando meus pais foram mortos e quando a Pulguinha (que não era ela) foi enterrada. Mas não vejo sentido em visitar uma lápide de pedra, onde em baixo tem um corpo se decompondo, principalmente quando o corpo que está ali é de sua mãe. Exatamente um dia antes de ser assassinada, ela me levou ao Laboons, pode ser exagero, mas foi o melhor dia que tive ao lado da minha mãe. Depois fomos a casa do lago onde o velho estava, sempre no mesmo quarto, que hoje não consigo entrar e por várias vezes pude ouvir lá pela madrugada, o som familiar de palma.
Me embrulha o estômago, tá eu sei como fui feito e sinceramente amo fazer isso com a Pulguinha, mas porra! As paredes eram finas e ouvir seus pais provavelmente tentado ter outro filho fode com o psicológico da criança.


Se eles faziam direto, não sei. Mas confesso que respeito a fidelidade do velho. Eu nunca soube de alguma suposta traição da parte dele.
Suspiro profundamente e decido ir.

Mas antes de voltar para o carro e encontrar a Pulguinha paro em uma última lápide.

ROBERTO VONAGE
Descanse em paz

-- Espero que realmente descanse em paz.

Saio do cemitério em direção ao carro. Fiquei um ano inteiro longe da minha Pulguinha, para ser tratado. Meu corpo ganhou novas cicatrizes, mas o que me assusta é se ela não gostar do meu rosto.
Ou se ela deixou de me amar.
Quem sabe não arranjou outro?
Eu tenho o direito de aparecer na vida dela outra vez?
Tenho medo que eu resposta seja: não vai gostar, sim ela tem outro e não, eu não tenho direito.

Mas preciso vê-la nem que seja uma última vez. Acelero pela estrada que não mudou nada e o caminho em meio às árvores continua a mesmo. Ao longe posso avistar a casa com o lago atrás.

Estaciono o carro bem na entrada do portão e decido continuar a pé.
Nada mudou, é a mesma pintura a única novidade é um belo canteiro de flores bem em frente a casa, do lado tem um mini cooper vermelho. Porra, esse é o carro dela ou do namorado? Será que eu continuo?

Paro em frente a porta repensando em bater, se um homem atender vou acabar atirando bem no meio dos olhos dele. É mais fácil entrar pela janela. Assim talvez se ela estiver...no quarto não vai perceber que eu estou ali. Mas pensar na minha garota com outro...na CAMA! Merda, última chance para ir embora. É isso vou embora! Adeus, Elaine Pollref.

Porra, pensa nisso quando a sua perna não estiver já na sala da casa seu animal!

Continuo a me espremer pela janela estreita até entrar completamente, o blazer ficou um pouco amassado e o meu cabelo todo desmanchado. Começo a me arrumar, analisando o lugar, novos móveis, uma casinha de gato maior com vários brinquedos. Será que a Paty e o filhote estão por aqui? Tenho a resposta quando um gato com a mesma pelagem que a Paty mia deitado no sofá, a mancha pequena semelhante a uma pulga...

-- Então é você.

Como se ele fosse me responder. Acaricio a cabeça do felino, que ronrona imediatamente. Ela mudou tudo para esquecer o que aconteceu. Significa que eu também sou do passado.

Merda. Não se frustre!

-- D...Dofi?

Não contenho as lágrimas ao encará-la ali do outro lado do sofá, com um camisão que mostra seu ombro, o cabelo agora curto amarrado em um rabo que mais parece um coqueiro enrolado e um chinelo nas mãos.
Isso me faz rir em meio às lágrimas.

-- Oi...oi Pulguinha.

Ela sorri e arremessa o chinelo bem no meio da minha testa. A dor é eminente e acabo cambaleando a encarando sem entender nada.
O sorriso some e as lágrimas tomam conta de seu belo rosto.

-- Seu idiota, desgraçado, filho da mãe, IMBECIL!

Ela parece brava.

-- Pulguinha, só me ouça-

-- Não quero! Sabe como foi, esperar uma única notícia sua durante um ano inteiro!? Eu perguntava direto para a Moris, mas ela nunca sabia o que tinha acontecido. E eu finalmente aceitei a idéia de que você estava morto, semana passada!

Ela pensava em mim. Ela nunca desistiu de mim!
Eu quero tanto abraçar essa garota, beijá-la e tê-la nos meus braços!

As lágrimas no belo rosto se intensificam, mas ela continua a me encarar com uma certa raiva.

-- Porra, não podia ter me ligado? Ou mandado uma simples mensagem? Por que me fez sofrer assim? Você deixou de me amar, Dofi?

Ela tenta enxugar com os pulsos as lágrimas em meio a soluços e gemidos, mas são incontroláveis.

Acabo deixando escapar um sorriso amável e me aproximo para finalmente abraçá-la. Ela agarra o blazer com força e meu peito fica encharcado.

-- Pul...Elaine, eu nunca deixei de pensar em você durante todo esse tempo.

Puxo delicadamente o seu queixo para que ela possa me olhar, os olhos lacrimejados e o rubor extremamente vermelho nas bochechas. Que saudade disso.

-- Eu amo você, Pulguinha. Amo muito. Me perdoe por não tê-la contatado, mas não tive coragem. Por causa...

Inconscientemente levo a mão até a cicatriz visível no olho e seu olhar é enigmático.

-- Você é um puto idiota! Acha que me apaixonei pelo seu rosto? Achou mesmo que uma cicatriz iria me fazer amar menos você?

Confirmo com a cabeça, estou sendo sincero. Por que realmente foi o que achei.

-- Realmente não sei se te encho de socos, ou te beijo até ficar sem ar.

-- Se eu tiver opção, prefiro o beijo.

Ela esboça um sorriso e volta a me chamar de idiota, mas somos unidos por um beijo apaixonado.
Agarro sua nuca e ela envolve as mãos no meu pescoço mesmo que precise ficar nas pontas dos pés.

-- Meu amor, Dofiano, meu amor. Eu esperei tanto...eu pensei tanto...e finalmente você está aqui.

-- E prometo nunca mais sair do seu lado.

Ela finalmente sorri e as lágrimas voltam a escorrer, enxugo uma  delicadamente com o dedo e a beijo mais uma vez exibindo um sorriso sincero.

Estamos juntos novamente. Eu você, dois gatos e um mini cooper.

Desista Ou NuncaOnde histórias criam vida. Descubra agora