Inferno astral

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Rafaella aprendeu com Marcela que, o mês que antecede o seu aniversário era o seu inferno astral. Durante trinta dias, seu humor poderia ser facilmente afetado, a deixando nervosa e estressada sem motivo aparente, as coisas simplesmente iriam dar errado ou acontecer de forma oposta ao que ela esperava, sem uma explicação lógica. A mineira nunca acreditou em astrologia e suas previsões. Sua vida sempre foi estável, não tinha um período específico que essas mudanças ocorressem.

E, naquele ano, estava comprovando ainda mais que aquelas coisas não se aplicavam para ela. Não tinha uma forte ligação com os astros e o universo, achava que seu signo não tinha nada a ver com sua personalidade e nunca nem se interessou pelo assunto. Estava no meio do seu, suposto, inferno astral, mas não se lembrava de sentir tanta felicidade em sua vida, desde que foi levada de sua cidade natal. Cada dia que passava, ela conseguia se desprender mais dos fantasmas do passado, que a impediam de viver inteiramente.

Desde que enxergou, de forma realista, a sua relação com Caon e tudo o que a figura dele representava em sua vida, era como se uma luz tivesse se acendido. Acreditava estar vivendo uma nova fase, uma nova era, mas na verdade continuava presa aos medos do passado, sem aceitar seus sentimentos. Mas não tinha como se culpar, afinal de contas, achava que não tinha sentimentos, que não era capaz de se entregar e se envolver verdadeiramente com outra pessoa.

Talvez tudo fizesse parte de um grande processo. Queria deixar sua realidade como garota de programa para trás, mas não tinha como ser da noite pro dia. Caon não foi um erro, mas sim parte daquela transição e sentia orgulho de si mesma por ter conseguido entender tudo aquilo. Superou aquela fase, mas sabia que tinha muitos desafios pela frente e um deles estava diretamente atrelado à figura de uma mulher. Sentia muitas coisas quando estava com Bianca, mas ainda era difícil distinguir esses sentimentos para poder nomeá-los.

Carinho, amor e admiração. Tudo isso era complicado para uma mulher como Rafaella, que passou toda a sua vida sendo objetificada e nunca foi o amor de ninguém. Amavam seu corpo, suas curvas, seu sexo. Admiravam sua beleza, seus olhos verdes e cabelo sempre arrumado, suas roupas caras e perfumes importados. Carinho? Bom, isso ela facilmente confundia com algum presente que recebia de clientes que a tratavam com o mínimo de respeito e a enxergavam como mulher, ou talvez sua puta preferida.

Era complicado, para Rafaella, definir o que sentia por Bianca. Mas sentia. Ela sabia que sentia. Afinal de contas, estava em seu inferno astral, mas imensamente feliz. E toda aquela felicidade estava ligada a sua nova fase de autoconhecimento e, também, à carioca, que continuava lhe proporcionando ótimos momentos e memórias que guardaria para sempre.

- Tô falando, Ma. Essas coisas não funcionam pra mim. - como de costume, reservavam um dia na semana para abrir uma garrafa de vinho e colocar o papo em dia. Um velho hábito que nenhuma das duas tinha a menor pretensão de abandonar. - Como que eu tô no meu inferno astral se as coisas estão acontecendo da melhor forma possível?

- Porque também não é assim, né Rafa? Não significa que sua vida vai virar um terror e tudo de ruim possível vai acontecer. Coisas ruins podem acontecer, mas não necessariamente vão acontecer. E além do mais, você tá numa fase super consciente e pé no chão, tá se conhecendo bastante. Isso ajuda.

- Pé no chão eu sempre fui, amiga. Cê sabe que isso de sonhar demais nunca foi pra mim. Meu sonho mais surreal foi a faculdade. - como sempre, estava deitada no colo da melhor amiga, aproveitando o carinho que ela fazia em seu cabelo. Era relaxante.

- Pois é, isso tudo ajuda a não sentir esses efeitos do inferno astral. Mas também vamos considerar que, pra quem transa dia sim dia não, é bem mais fácil estar de bem com a vida, né?

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