XIX A MÍSTICA DA SALVAÇÃO

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Feito, assim, a largos traços, o relato dos acontecimentos ocorridos nesses
tempos remotíssimos da pré­história, sobre os quais a cortina de Chronos velou 
detalhes que teriam para nós, hoje em dia, imensurável valor, vamos resumir agora o 
que sucedeu  com os quatro grandes povos citados, sobreviventes dos expurgos
saneadores, povos esses cuja história constitui o substrato, o pano de fundo do 
panorama espiritual do mundo até o advento da história contemporânea. É o relato do segundo ciclo  da nossa divisão e vai centralizar a figura
sublime e consoladora do Messias de Deus que, nascendo na semente de Abraão e
no seio do povo de Israel, legou ao mundo um estatuto de vida moral maravilhoso, capaz de levantar os homens aos mais altos cumes da evolução planetária em todos
os tempos.

A vida desses quatro povos é a vida da mesma humanidade, conforme a
conhecemos, na trama aparentemente inextricável de suas relações sociais
tumultuárias. O tempo, valendo séculos, a partir daí, transcorreu, e as gerações se foram
sucedendo umas às outras, acumulando­se e se beneficiando do esforço, dos
sofrimentos e das experiências coletivas da raça. O panorama terrestre sofreu modificações extraordinárias, com a aplicação 
da inteligência na conquista da terra e seu cultivo; no desenvolvimento progressivo 
da indústria, que passou, então, a se utilizar  amplamente dos metais e demais
elementos da natureza; na construção de cidades cada vez maiores e mais
confortáveis; na formação de sociedades cada vez melhor constituídas e mais
complexas; de nações mais poderosas; nas lutas da ciência, ainda incipiente, contra a
natureza altiva e indomável, que avaramente sonegava seus mistérios e seus
tesouros, só os liberando, com prudência e sabedoria, à medida que a Razão humana
se consolidava; lutas essas que, por fim, cumularam na aquisição de conhecimentos
obtidos à custa de esforços tremendos e sacrifícios sem conta. Experiências, enfim, árduas e complexas, mas todas indispensáveis, as
quais caracterizam a evolução dos homens em todas as esferas e planos da divina
criação. E, como seria natural que sucedesse, em todas essas incessantes atividades
os exilados foram, por seus líderes, os pioneiros, os guias e condutores do rebanho 
imenso.
Predominaram no mundo e absorveram por cruzamentos inúmeros a massa
pouco evoluída e semipassiva dos habitantes primitivos. É verdade que não foi, nem tem sido possível até hoje, obter­se a fusão de
todas as raças numa só, de características uniformes e harmônicas ­ no que respeita
principalmente à condição moral — o que dá margem a que no planeta subsistam, coexistindo, tipos humanos da mais extravagante disparidade: antropófagos ao lado 
de santos, silvícolas ao lado de supercivilizados; isto, todavia, se compreende e
justifica ao considerar  que a Terra é um orbe de expiação, onde forças diversas e
todas de natureza inferior se entrechocam, rumo a uma homogeneidade que só 
futuramente poderá ser conseguida. Mas, por outro lado, também é certo que, se não fora a benéfica enxertia
representada pela imigração dos capelinos, muito mais retardada ainda seria a
situação da Terra no conjunto dos mundos que compõem o seu  sistema sideral, mormente no campo intelectual.

Voltando, porém, àqueles recuados tempos de que estamos tratando, verificamos que, apesar das duras vicissitudes por que passaram e das alternativas de
sucesso e fracasso  na luta pela existência, a recordação do paraíso perdido 
permaneceu  indelével no espírito  dos infelizes degredados, robustecida, aliás, periodicamente, pelos estágios de maior lucidez espiritual que gozavam no Espaço, no intervalo das sucessivas reencarnações. Sempre lhes fulgurou na alma sofredora a intuição da origem superior, dos
erros do  pretérito e, sobretudo, das promessas de regresso, algum dia, às regiões
mais felizes do Cosmo. Por onde quer que seus passos os levassem, no lamentoso peregrinar; onde
quer que levantassem, naqueles tempos, suas tendas rústicas ou  acendessem seus
fogos familiares sempre, no íntimo dos corações, lhes falava a voz acariciadora da
esperança, rememorando  as palavras daquela Entidade Divina, senhora de todo 
poder que, nos páramos de luz onde outrora habitaram, os reuniu  e os confortou,
antes do exílio, prometendo­lhes auxílio e salvação. Como narra Emmanuel: —  “Tendo ouvido a palavra do Divino Mestre
antes de se estabelecerem no mundo, as raças adâmicas, nos seus grupos isolados, guardaram as reminiscências das promessas do  Cristo, que, por sua vez, as
fortaleceu  no seio das massas, enviando­lhes, periodicamente, seus missionários e
mensageiros”. Sim: Rama, Fo­hi, Zoroastro, Hermes, Orfeu, Pitágoras, Sócrates, Confúcio 
e Platão  (para só nos referirmos aos mais conhecidos na história do mundo 
ocidental)  ou  o próprio Cristo planetário em suas diferentes representações como 
Numu, Juno, Anfion, Antúlio, Krisna, Moisés, Buda e finalmente Jesus, esses
emissários ou avatares crísticos, em vários pontos da Terra e em épocas diferentes,
realmente vieram, numa seqüência harmoniosa e uniforme, trazer aos homens
sofredores os ensinamentos necessários ao aprimoramento dos seus espíritos, ao 
alargamento da compreensão e ao apressamento dos seus resgates, todos falando a mesma linguagem de redenção, segundo a época em que viveram e a mentalidade
dos povos em cujo seio habitaram.

Assim, pois, a lembrança do paraíso perdido e a mística da salvação pelo 
regresso, tornaram­se comuns a todos os povos e influíram poderosamente no 
estabelecimento dos cultos religiosos e das doutrinas filosóficas do mundo; e ainda
mais se fortificaram e tomaram corpo, mormente no que se refere aos descendentes
de Abraão, quando Moisés a isso se referiu, de forma tão clara e evidente, na sua
Gênese, ao revelar a queda do primeiro  homem e a maldição que ficou  pesando 
sobre toda a sua descendência. Ora, essa queda e essa maldição, que os fatos da própria vida em geral
confirmavam e, de outro lado, o peso sempre crescente dos sofrimentos coletivos, deram motivo a que os degredados se convencessem de que o remédio para tal
situação estava acima de suas forças, além de seu  alcance, que somente por uma
ajuda sobrenatural, apaziguadora da cólera celeste, poderiam libertar­se deste mundo 
amargurado e voltar à claridade dos mundos felizes. Fracassando como homens e seguindo os impulsos da intuição imanente, voltaram­se desesperados para as promessas do Cristo, certos de que somente por 
esse meio alcançariam sua libertação; daí a crença e a esperança universais em um
Messias salvador.

Mas, por outro lado, isso também deu margem a que a maioria desses povos
se deixassem dominar por uma perniciosa egolatria, considerando­se no gozo de
privilégios que não atingiam a seus irmãos inferiores — os Filhos da Terra. Criaram, assim, cultos religiosos exclusivistas, inçados de processos
expiatórios, ritos evocativos, e, quanto aos hebreus, adotaram mesmo de uma forma
ainda mais radical e particularizada, o estigma da circuncisão, para se marcarem em
separado como um povo eleito, predileto de Deus, destinado à bem­aventurança na
terra e no céu.
Por isso — como ato de apaziguamento e de submissão — em quase todas
as partes do  mundo os sacrifícios de sangue, de homens e de animais eram
obrigatórios, variando as cerimônias, segundo o temperamento mais ou menos brutal
ou fanático dos oficiantes. Os próprios cânones mosaicos, como os conhecemos, estabeleceram esses
sacrifícios sangrentos para o uso dos hebreus, e o Talmude, mais tarde, ratificou a
tradição, dizendo: “que o pecado original não podia ser apagado senão com sangue”. E a tradição, se bem que de alguma forma transladada para uma concepção 
mais alta ou mais mística, prevalece até nossos dias, nas religiões chamadas cristãs, ao  considerarem que os pecados dos homens foram resgatados por Jesus, no 
Calvário, pelo  preço do seu  sangue, afastando da frente dos homens a
responsabilidade inelutável do esforço próprio para a redenção espiritual.Por tudo isso, se vê quão indelével e profunda essa tradição tinha ficado 
gravada no  espírito dos exilados e quanta amargura lhes causava a lembrança da
sentença a que estavam condenados. E a mística ainda evoluiu mais: propagou­se a crença de que a reabilitação 
não seria conseguida somente com esses sacrifícios sangrentos, mas exigia, além
disso, a intervenção de um ser superior, estranho à vida terrestre, de um deus, enfim, a imolar­se pelos homens; a crença de que o esforço humano, por mais terrível que
fosse, não bastaria para tão alto favor, se não fosse secundado pela ação de uma
entidade gloriosa e divina, que se declarasse protetora da raça e fiadora de sua
remissão.Não compreendiam, no seu  limitado entendimento, que essa desejada
reabilitação  dependia unicamente deles próprios, do próprio aperfeiçoamento 
espiritual, da conquista de virtudes enobrecedoras, dos sentimentos de renúncia e de
humildade que demonstrassem nas provas pelas quais estavam passando. Não sabiam — porque, infelizmente para eles, ainda não soara no mundo a
palavra esclarecedora do Divino Mestre —  que o que com eles se passava não 
constituía um acontecimento isolado, único em si mesmo, mas sim uma alternativa
da lei de evolução e da justiça divina, segundo a qual cada um colhe os frutos das
próprias obras. Por isso, a crença em um salvador divino foi se propagando no tempo e no 
espaço, atravessando milênios, e a voz sugestiva e influente dos profetas de todas as
partes, mas notadamente os de Israel, nada mais fazia que difundir essa crença
tornando­a, por fim, universal. — “É por essa razão” — diz Emmanuel — “que as epopéias do Evangelho 
foram previstas e cantadas alguns milênios antes da vinda do Sublime Emissário”.

Como conseqüência disso, e por  esperarem um deus, passaram, então, os
homens a admitir que Ele, o Senhor, não poderia nascer como qualquer outro ser 
humano, pelo  contato carnal impuro; como não conheciam outro processo de
manifestação na carne, senão a reprodução, segundo as leis do sexo, por toda parte
começou  a formar­se também a convicção de que o Salvador nasceria de uma
virgem que deveria conceber de forma sobrenatural. Por isso, na Índia lendária, os avatares divinos nascem de virgens, como de
virgens nasceram Krishna e Buda; no zodíaco de Rama, a Virgem lá estava no seu 
quadrante, amamentando o filho; no Egito, a deusa Ísis, mãe de Hórus, é virgem; na
China, Sching­Mou, a Mãe Santa, é virgem; virgem foi a mãe de Zoroastro, o 
iluminado iniciador da Pérsia; todas as demais tradições, como as dos druidas e até
mesmo das raças nativas da América, descendentes dos Atlantes, falavam dessa
concepção misteriosa e não habitual.

OS EXILADOS DA CAPELAOnde histórias criam vida. Descubra agora