Recomeços

20 2 0
                                    


-Charles! -exclamei, surpresa e assustada.

-Vocês se conhecem? -perguntou papai, curioso e otimista.

-Sim, sim. E eu estava me recordando de seus rostos de algum lugar. -respondeu ele.

Me pus a cumprimentar à todos, e por último ele, que se levantou para me abraçar e além disso, puxou a cadeira para que eu me sentasse. Me sentei, logo em sua frente. Que situação inusitada e desconfortável, como se já não bastasse a maneira como eu estava vestida naquele local refinado, com todos usando ternos e vestidos de marca. Eu estava me sentindo totalmente deslocada.

-E de onde você a conhece, filho? -perguntou, o homem importante do qual eu ainda não sabia o nome.

-Ela é da McKinley, e eu joguei contra seus irmãos diversas vezes. -respondeu, brevemente, ocultando 99% da história.

-Ora, mas que coincidência. -disse sua mãe, uma mulher muito elegante e de um ótimo humor. Diferente de seu pai, que tinha um ar mais reservado e arrogante.

-Quanto tempo, Beverly. -disse sorrindo, sem tirar seus olhos de mim por nenhum segundo sequer.

-Tanto tempo que parece ter sido em outra vida. -respondi, rindo, e sendo irônica para quem estivesse ouvindo.

A conversa continuou, e eu tentava me esquivar dos assuntos e apenas passar despercebida até que aquele momento constrangedor passasse logo. Cada segundo parecia uma eternidade, com as roupas de malhar e Charles me encarando descaradamente, sem disfarçar.

Qual as chances de o futuro sócio do meu pai, ser o pai logo dele. Olhar para Charles apenas me fazia ter lapsos de memória do dia da praia, em que ele forçou um beijo e tentou me agarrar, e depois disso eu quase morri afogada por tentar fugir dele. Que situação. E além disso, me fazia lembrar do que eu estava me forçando o tempo inteiro a esquecer: Jay.

-Ãh, se importam se eu roubar a Beverly por um instante? -soltou ele, durante um papo sobre a bolsa de valores extremamente chato que estava rolando.

Saí do modo piloto automático e fiquei surpresa, eu não estava esperando por isso. Aquelas palavras me deram arrepios.

-Sem problemas, filho. Devem ter muita conversa para pôr em dia. -consentiu papai.

-Assuntos mais legais do que a bolsa. -disse seu pai rindo. E todos riram por mais que aquilo não tivesse graça nenhuma. Quando pessoas ricas falam algo, ou você ri ou você concorda, se não, faça os dois.

Então ele se levantou, e fez uma menção com a cabeça, para que eu o acompanhasse. Me levantei lentamente, com vergonha e timidez, e um pouco de vontade de não ir com ele de jeito algum. Eu não queria conversar ou sequer tocar em assuntos do passado.

Seguimos pelo salão, onde todos me olhavam com desdém. Eu podia literalmente ouvir os cochichos sobre minha roupa, e eles vinham de mulheres. Quanta empatia.

Continuei atrás dele até passarmos pelas portas que levavam até um deck aberto, de frente para o mar, decorado em todo seu entorno com luzes, era um local bem romântico, me senti automaticamente teletransportada para algum lugarzinho na Itália onde eu nunca estive.

-Finalmente à sós. -soltou ele, ao se recostar no parapeito de madeira.

Fiz o mesmo, mas com uma distancia segura dele.

-Você nunca esteve tão linda. -elogiou ele, já que não respondi sua primeira investida.

-E então, Charles, o que você queria me dizer ao me trazer até aqui? -questionei, deixando claro que não era mais uma garotinha manipulável como a que ele conheceu três anos atrás.

-Que eu sinto muito, por tudo, por quem eu era e pelas coisas que fiz com você. Eu era apenas um moleque inconsequente e mimado, e só queria que você fosse minha a qualquer custo, sendo que no fim, isso me custou você. -pediu, olhando-me profundamente nos olhos sem nenhum desvio.

Por algum motivo aquelas palavras me pareciam ser sinceras. Mas meu perdão não valia apenas a lábia de um homem.

-Isso é passado, coisas que não fazem mais parte da minha vida e das quais eu nem sequer me lembro com clareza. Só, deixa esses assuntos enterrados onde eles estão. -respondi, mentindo sobre o fato de não me lembrar, sendo que pra mim era como se fosse ontem.

Ele pareceu ficar intimidado, talvez não esperasse que eu fosse alguém tão madura agora, e com uma personalidade tão forte, mas foi isso que me tornei depois de quebrar a cara e o coração tantas vezes.

-Eu só, queria que nós recomeçassemos do 0. Eu nunca esperava encontrar você de novo, depois de tanto tempo. E no momento em que bati meus olhos em você, eu soube que isso deveria acontecer, que era o destino me dando uma chance para me redimir.

-O que quer dizer?

-Por favor Beverly, podemos fazer do jeito certo agora? Ou pelo menos me deixa tentar te mostrar que eu mudei.

-Charles, eu... -fui interrompida.

-Por favor, tira essa armadura que você está usando, não precisa ficar na defensiva comigo, pode ficar tranquila. Só me diz: sim ou não? -insistiu.

Acho que eu estava muito cansada, com fome por ter comido pouco, e sem paciência para continuar ali, não era uma conversa e nem uma pessoa que me agradava, e foi apenas por isso que minha resposta foi:

-Sim, tudo bem.

Por favor, que eu não me arrependa disso.

-Isso! Então, vamos fingir que nossa amizade está começando agora: Eu sou Charles Valentino, prazer! -exclamou, me estendendo a mão.

Senti uma leve vontade de revirar os olhos, mas me segurei.

-Beverly! A única que você vai conhecer, eu garanto. -retruquei, sorrindo.

𝐑𝐄𝐈𝐒𝐄𝐍𝐃𝐄𝐑 ➳Onde histórias criam vida. Descubra agora