Avalanche

18 2 0
                                    


Sua feição de felicidade era nítida. Mas eu podia confiar? Estava dividia entre a razão e a emoção, mas talvez pelo decorrer dos últimos acontecimentos, eu tenha escolhido a emoção mais uma vez. E talvez continuasse escolhendo, até me arrepender profundamente.

E então aquela noite longa, chegou ao fim finalmente e pudemos ir para casa.

E ainda em frente à todos, Charles soltou:

-Beverly, poderia me passar seu número? Não quero que percamos o contato de novo.

Olhei para ele, e olhei para meus pais, que faziam menção de "anda logo", por isso não tive opção, eu não faria essa desfeita. Passei.

-Vou te mandar um "oi", assim você pode salvar o meu também. -disse, abraçando-me para se despedir.

-Tudo bem.

-Até logo, Beverly. Até logo, senhor e senhora Evans.

Todos nos cumprimentamos uma última vez e seguimos nosso caminho. Me senti aliviada por ter saído dali e entrado no carro, eu não aguentava mais nem um minuto sequer naquele lugar, eu estava completamente desconfortável.

Porém, mal sabia eu que dentro do carro, mais uma situação estava prestes a começar.

-E então Beverly, percebi você sendo um tanto ríspida com o rapaz. Deveria ser mais gentil com o filho do nosso possível sócio, eles podem literalmente salvar nossos pescoços. -insinuou, papai.

-Sim, filha. Reveja seu comportamento, o garoto é tão bonito, tão educado, cavalheiro. -completou, mamãe. -E ele parecia estar bem interessado em se aproximar de você. Isso pode ser bom pro seu pai, para nós.

-Exato Beverly, vai ser de grande ajuda se vocês se tornarem amigos, com certeza o pai de Charles pode levar isso em consideração para nossa proposta.

Eu mal podia acreditar que aqueles eram realmente meus pais. No que aquela crise financeira estava os transformando, o que estava fazendo com a nossa família. Eles nem se pareciam mais com meus pais.

-Ele é o garoto que eu beijei naquele jogo. -soltei, já de saco cheio daquele papinho dos dois.

Meu pai freiou o carro bruscamente, de forma inesperada, surpreso. Ele odiou o "tal garoto" por meses, e sempre lembrava daquele episódio com raiva, então talvez falar aquilo fosse a chave para que eles parassem de perturbar.

-Charles Valentino é o garoto que te beijou no jogo, há 2 anos? -questionou, enfurecido.

-Sim, papai.

-George, calma. Isso já faz séculos e Charles parece um moço muito decente hoje. Eu faria gosto se eles namorassem.

-Mamãe! -exclamei.

-Só de me lembrar daquela cena, toda a raiva volta. Mas...-pausou para poder respirar. -Tem razão, eu também faria gosto da aproximação dos dois hoje em dia.

-Ah não papai, você também?

Minha vontade era de contar o restante da história, sobre o assédio que sofri da parte dele, me agarrando naquela praia vazia, insistindo para que eu o beijasse e sabe-se lá mais o quê. Mas eu mesma não conseguia tocar naquele assunto, era uma parte muito delicada da minha vida, que também trazia à tona outra pessoa, e então eu podia sentir todas as brechas curadas do meu coração, se partindo novamente, de forma lenta e contínua e eu não queria voltar para aquele lugar sombrio na minha mente, de onde demorei tanto para sair.

Em todos esses meses, muita coisa mudou. Me afastei de diversas pessoas, e não me sentia mais a mesma. Eu havia amadurecido, mas não da melhor forma. Por mais que eu sempre tentasse demonstrar estar perfeitamente bem e feliz, era duro fingir o tempo todo, quando cada canto da casa, da vizinhança, da praia, das ruas, da escola e da cidade, me faziam voltar a ser a menina de 15 anos com um buraco no coração.

Assim que chegamos em casa e entrei no meu quarto, uma chuva forte começou a cair. Eu tinha duas opções: ir tomar banho ou ir tomar banho de chuva. Eu sempre optava pela segunda alternativa.

Desci de fininho as escadas, abri a porta do quintal e corri até o meio do gramado com os pés descalços afundando na grama molhada. Eu podia sentir a chuva lavar minha alma, enquanto eu chorava junto com ela. A dor dentro de mim parecia incurável, e cada vez que eu me lembrava dela, chorava ainda mais por pensar que ela talvez nunca passasse, que eu talvez nunca fosse superar aquilo que me corroía por dentro.

-Isso nunca vai parar de doer? -exclamei, ajoelhando-me e pressionando a mão sob meu peito. -Nunca? Eu não sei mais o que fazer pra isso passar, eu não sei mais o que fazer pra não machucar tanto!

Mas quem eu estava questionando? Ao destino? À mim mesma? De quem era a culpa? Era toda dele. Eu poderia deitar naquele jardim a noite toda, esperando até não sentir mais nada. Mas talvez eu precisasse passar a eternidade lá, era como eu sentia.

Entrei em casa depois de mais alguns minutos, pois estava ficando forte demais e eu tinha medo dos raios, então corri para cima, e fui direto tomar um banho de verdade.

Quando terminei tudo, e já estava completamente seca, ainda melancólica, me dirigi em direção à janela. Olhando para o outro lado, era como se o tempo nunca tivesse passado e ele ainda estivesse lá.

-Será que eu nunca mais vou ter a oportunidade de ser feliz novamente?

E assim que terminei a frase, meu celular vibrou. Por impulso, peguei-o rapidamente e deslizei a barra de notificações. A mensagem era de um número desconhecido, e dizia o seguinte:

"Oi (como prometido).

Eu nunca poderia imaginar que encontraria você hoje, pra ser sincero, achei que nunca mais fosse te ver de novo. Acho que é coisa do destino. Ele teve piedade de mim, e cruzou nossos caminhos novamente, pra que eu possa te mostrar que não sou mais aquele adolescente babaca, e que eu posso te fazer muito feliz, Beverly."

𝐑𝐄𝐈𝐒𝐄𝐍𝐃𝐄𝐑 ➳Onde histórias criam vida. Descubra agora