O final de semana foi bem estranho depois de tudo que aconteceu, uma avalanche de emoções que eu ainda não conseguira processar direito. Nunca pensei que aos 17 ainda estaria de castigo, sem poder sair e sem celular. Minha mãe pegou pesado, talvez nem ela soubesse mais castigar a filha quase maior de idade, sendo que quem sempre deu trabalho foram meus irmãos, que não moram mais com a gente. Talvez o castigo teria sido mais fácil de suportar com eles aqui, sinto falta de como as coisas costumavam ser há dois anos atrás, tudo era mais leve e normal.
Meu tempo se resumiu em pensar, pensar em Jay, pensar em Charles, pensar em como eu estava ferrada com a minha chefe na agencia, em como eu estava ferrada em inglês e teria que estudar o dobro a partir de agora, em como eu não tinha nada certo para quando terminasse a escola, a faculdade de moda que eu estava recentemente pensando na possibilidade de cursar. Nada estava indo bem.
No domingo, por pegadinha de um tal destino que adora me assistir sem saber o que fazer, enquanto eu tomava uma limonada no balanço do quintal da minha casa, em roupas que já tinham perdido suas cores originais, Charles Valentino se sentou ao meu lado. O mesmo Charles que invadiu aquela festa, do beijo extravagante no meio do campo de futebol na final do campeonato e que tentou coisas comigo sem meu consentimento na praia, no dia da competição de surfe e coincidentemente o dia do baile, o ultimo maldito dia do Jay em Honolulu. Ele estava ali bem ao meu lado, vulnerável, diferente de todas as vezes, como se estivesse disposto a ser tudo aquilo que eu estava precisando.
-Bev eu sinto muito pelo que aconteceu. -disse um pouco após o silencio que pairava sobre nós, entre uma troca de olhares fugaz.
-Pelo quê está pedindo desculpas Charles?
-Eu soube do ocorrido na inauguração da loja, minha mãe e Tia Amali são amigas de infância, quando ela começou a contar e pronunciou seu nome fiquei preocupado, te liguei diversas vezes mas cheguei a conclusão de que talvez estivesse de castigo ou algo do tipo. -explicou eufórico, pondo sua mão sob a minha que estava recostada na base de madeira. -Ele não tinha esse direito Beverly, ele nem deveria ter voltado aqui.
Me levantei espantada, sem entender onde ele queria chegar e me sentindo péssima por descobrir dessa forma o que provavelmente todos já sabiam.
-Quem, Charles? O Jay? O Jay não tinha esse direito? -questionei, preparada para defender Jay do que quer que ele pudesse dizer.
-O Reisender, Beverly. E por causa dele você foi demitida. Ele realmente vale o preço do seu sonho?
-A senhora Amali decidiu me demitir? Ela vai me tirar da agência, ah meu Deus, Charles, se eu perder o meu emprego na agência eu perco tudo: adeus faculdade, adeus curso de moda, adeus para os meus sonhos. Não pode ser, não pode ser. -disparei, prestes a me sentar no chão em meio à lagrimas, quando Charles me tomou em seus braços e me apoiou em seu peito.
-Eu já estou cuidando disso Beverly, amanhã mesmo disse para tia Amali que vou passar na agência para lhe pedir um favor, depois da faculdade no fim da tarde...
-Charles isso não é certo, eu não quero que ela tenha pena de mim.
-Não é nada disso Bev, só quero falar com ela para me assegurar de que ela saiba que se perder você, estará perdendo seu maior tesouro. -com uma das mãos, levantou meu rosto para que eu olhasse em seus olhos enquanto falava. -Eu quero cuidar de você Beverly, quero que saiba que eu estou aqui pra você. -finalizou com um beijo em minha testa e tornei a afundar meu rosto em seu colo e abraçá-lo. Aquilo parecia uma traição, pelo quão sagrados eu considerava meus sentimentos por Jay, mas não era ele quem estava me acolhendo naquele momento, me ajudando a manter meu sonho vivo, a verdade cruel que eu não queria admitir, é que era tudo culpa dele.
***
-Aqui está. -disse mamãe ao colocar meu celular na bancada, quando estava prestes a sair para pegar o ônibus.
-É...Obrigada mãe, e me desculpe mais uma vez. Aprendi a minha lição.
-Assim espero, Beverly. Boa aula!
-Tá bom. Depois da escola vou direto para a agência... -informei, receosa de ela me dizer que eu não podia ir. Mas ela sabia que era meu trabalho, sabia que era importante pra mim.
-Me avise se quiser carona pra casa quando acabar. -respondeu virando-se para a pia, indicando que a conversa estava encerrada.
Sorri sutilmente e me retirei para seguir até o ponto. Tudo que Charles tocava, virava ouro, não sei se por seu pai estar salvando a pele da minha família, mas quando ele estava por perto, até meus pais voltavam a ser...meus pais.
Depois da escola e depois de ter esquentado absurdamente os ouvidos de Brooke sobre meus três últimos emocionantes dias, peguei o ônibus para ir para a agência. Lá estava eu com tanto medo, pensando em como tudo pode mudar e escapar por seus dedos bem diante dos seus olhos. Agora eu já era uma quase adulta, perseguindo meus sonhos, enquanto minha melhor amiga perseguia os dela, estudando, aplicando para bolsas de direito nos Estados Unidos, fazendo entrevistas para diversas faculdades. Apenas um dia desses éramos duas meninas, fazendo maquiagens no meu quarto, comendo doces escondidas de madrugada, compartilhando segredos até amanhecer.
Cheguei ao prédio da agência no horário de sempre, corri para o escritório da senhora Amali com meu coração na mão, sentia como se todo meu futuro estivesse em jogo, um jogo ao qual as regras eu não conhecia, que teria que aprender enquanto erro. Bati na porta.
-Era sobre você mesma que eu estava falando, mocinha. - disse em tom sério, assim que minha imagem se fez nítida enquanto eu abria porta. Ela abaixou o celular na mesa no mesmo instante.
Charles havia me dito que passaria aqui no fim da tarde quando saísse da faculdade, mas pelo visto ele havia feito apenas uma ligação. Será que era isso? Eu estava torcendo com toda minha alma para que sim.
-Sim, senhora Amali. -respondi, ofegante de nervosismo, mas tentando demonstrar algum vestígio de segurança.
-Em três semanas embarcaremos para Los Angeles, para o desfilarmos pela Frankies Bikinis .-iniciou.
-Ah meu deus, isso parece fantástico! Fazia tempo que a agência estava buscando por algo assim.
-Você tem razão, estávamos buscando por uma oportunidade como essas há 10 anos. Uma oportunidade de a HAWN finalmente alcançar o cenário internacional. Você sabe quantas das minhas modelos conseguiram sair daqui e se destacar de verdade? Você faz ideia? -questionou, incisiva. Eu já estava sentindo minhas pernas tremendo.
-Eu me lembro da Kalani que apareceu na capa da Elle,e também teve a Nia que se mudou no ano passado...
-Exatamente Beverly, nós tivemos nossos diamantes brutos, que lapidamos e conseguimos fazer com que atingissem seus objetivos, mas foram poucas as meninas que tornaram isso suas realidades, porque ou você tem dinheiro para isso ou tem a sorte de ser notada.
-Eu entendo, senhora Amali. -disse cabisbaixa, entendo o rumo que aquela conversa estava seguindo.
-E é por isso que apenas cinco de vocês serão escolhidas para essa viagem. -deu uma pausa assustadoramente insuportável, enquanto me olhava me cima à baixo. -Não me decepcione desta vez, Beverly Evans.
Esperei alguns segundos para conseguir processar o que eu havia acabado de ouvir saindo de sua boca, com aquele batom vermelho carmim extremamente bem contornado.
-Meu Deus senhora Amali, meu Deus, muito obrigada, sim, sim, sim, claro quase sim, eu não vou lhe decepcionar dessa vez, eu prometo! Muito obrigada senhora Amali, obrigada, obrigada! -exclamei diversas vezes, mal conseguindo respirar indo em sua direção para instintivamente abraçá-la.
-Ok, ok menina! Agora vá, se arrume, temos ensaio de passarela em cinco minutos no salão. -informou, levemente desconfortável com minha demonstração de afeto.
Consenti e me retirei para o vestiário, aquilo parecia um sonho do qual eu me obrigaria a não acordar.
Como ele havia conseguido isso? Charles superou todas as minhas expectativas e eu mal podia esperar para poder agradecê-lo por isso. Era surreal. Depois eu penso em como contar isso aos meus pais, agora quero apenas aproveitar e me dedicar a estar á altura do peso que essa oportunidade pode me trazer. Eu vou pra Los Angeles!
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𝐑𝐄𝐈𝐒𝐄𝐍𝐃𝐄𝐑 ➳
RomanceREISENDER: O primeiro amor sempre será o primeiro Beverly se apaixonou por seu vizinho de janela, Jay, desde o dia em que se mudou para o Havaí. O que ela não sabia, era que sua paixão platônica e proibida pelo melhor amigo de seus irmãos mais velho...