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Eu sempre a via sentada ali, na primeira carteira da sala de aula a frente. Eu podia a analisar e me distrair com suas expressões, risadas e gestos o quanto eu quisesse.
Ela era minha. Bom, ela era o meu segredo. O tipo de sentimento que não se sai dizendo por aí. Que se esconde no fundo do peito, onde só você pode ver. De certa forma, até constrangedor, e para algumas pessoas, até mesmo insano. Quem encara alguém durante tanto tempo assim se não planeja alguma espécie de crime?

As aulas haviam voltado a pouco tempo, não mais de dois meses. Já estava habituada com as poucas horas de sono e a minha mesa pichada por nomes, declarações de amor -e ódio-, letras de músicas e desenhos.

Eu tentava prestar atenção na professora, eu realmente tentava, mas eu estava exausta. Mal conseguia manter os olhos abertos.
A professora, com os cabelos louros, estava falando sem parar. Algo sobre a América.
Desviei o olhar e foquei na porta, a sua direita, procurando algo que me distraísse, que fizesse aquilo tudo um pouco menos entediante. E de fato, algo me chamou atenção.
Percebi, então, que o lugar onde estava sentada era perfeitamente alinhado para uma visão quase completa de todas as cadeiras da sala de aula em frente.
Estreitei os olhos e me ajeitei na cadeira pequena, me concentrando na nova perspectiva que havia acabado de descobrir.
Um novo mundo de pessoas que não fossem as mesmas as quais eu convivia todos os dias e já estava farta de seus rostos. Quem sabe quantas coisas eu posso tirar proveito desta visão?

Mas meus olhos foram pegos pelo seu capuz preto, que repousava em seu pescoço e ombros enquanto ela conversava com outras pessoas.  Quem quer que seja que me colocou neste lugar, eu agradeço agora, em silencio.
Dali, conseguia a ver perfeitamente enquadrada pela moldura da porta. Como uma pintura exposta em um museu.
De repente, eu não estava mais com sono.

Alguns dizem que a arte foi feita para ser apreciada, outros dizem que foi feita para te fazer sentir algo. De qualquer maneira, para mim, ela era arte. Enquadrada na moldura da porta pintada de azul, eu a deslumbrava.

E ela me fazia sentir de todos os jeitos.

[16/09/2021]

après des blessuresOnde histórias criam vida. Descubra agora