Capítulo 28 - A sombra no canto da sala

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Uma luz fraquíssima transpassava as cortinas da sala, deixando o lugar com uma tonalidade cinzenta.

Em toda sua vida, Charlie nunca viu Aschamount tão fria quanto estava naquele momento. Seus braços tremiam, envoltos em si própria.

Se não estivesse nevando naquele momento, não nevaria nem ali nem na casa do caralho.

O lugar permanecia em silêncio. Uma contínua ventania soprava, as árvores balançavam violentamente, nada mais.

Jessie estava calada desde a última "conversa" que tiveram, há quase uma semana.

A loira estava sentada numa cadeira, lendo um livro. Quantas vezes ela havia lido aquela porcaria? Cinco ou seis? Talvez nem a própria leitora soubesse responder.

Jessie era semelhante a um vulto. Imersa no escuro, quieta. Ela apenas estava lá, existindo.

Só... um lembrete angustiante.

Era estranho ver Jessie naquele estado. Charlie não se lembrava da última vez que a viu sorrir. Não como antes. Não quando Jessie era Jessie.

Aquela Jessie estava morta faz tempo.

Charlie queria entender. "Você pensa demais", o que Jessie quis dizer com aquilo? Por que ela disse logo naquele momento? Por que...?

"Ah", Charlie se deu conta.

Um tremor tomou seu corpo de tal forma que doeu. Doeu nos ossos, nas articulações, na cabeça.

Jessie não parecia se importar com o frio. Estava tranquila demais. "Puta que pariu, eu tô congelando aqui", Charlie pensou.

Jessie virou uma página do livro. Charlie desviou o olhar rapidamente, pois Jessie olhou em sua direção. Charlie passou a temer o olhar dela, como se a simples troca de olhares pudesse matá-la.

Se deu conta do quão frio estava ao ver nitidamente o ar que expirava. Aquilo era um verdadeiro inferno nórdico. *¹

Charlie ouviu um livro se fechando. Quando se deu conta, Jessie sumiu quarto adentro.

Silêncio.

A garota visualizou o quarto de Melissa. A porta estava trancada. Charlie sabia que sua mãe não dormia direito, pois raramente a ouvia roncar. O que ela fazia lá dentro? Será que ela estava bem?

Charlie não falava com Melissa a um bom tempo.

Jessie saiu do quarto com algo entre as mãos. Um cobertor. Foi até Charlie e estendeu em sua direção.

- Do jeito que você está, vai morrer congelada. - Jessie falou.

Charlie, hesitante, aceitou. Era o primeiro contato das duas em dias. Quando se cobriu, uma onda de calor percorreu seu corpo, como se tivessem acendido uma fogueira no meio da sala.

- Obrigada. - Falou.

Jessie não respondeu. Talvez nem tivesse escutado.

Charlie teria perguntado algo como "você está bem?", mas, conhecendo Jessie, a resposta sempre seria "sim", mesmo que não estivesse. "Estou bem" naquele momento era o mesmo que dizer "não estou morta".

As vezes, ela se perguntava se aquilo tinha algum propósito específico. As mortes, os desaparecimentos, o caos... tudo.

Dois meses. Dois fodidos meses trancadas naquela casa. Não podiam sair, não podiam fazer barulho, as janelas deveriam estar sempre cobertas e os mantimentos eram racionados.

Haviam regras para se manterem vivas, mas ninguém pensou em viver.

Jessie parecia ter o mesmo tipo de pensamento. Era angustiante ver alguém que tanto amava daquele jeito. Perdida, confusa, sem esperança.

Uma situação como aquelas era basicamente uma disputa para ver quem perderia a sanidade primeiro. Quem quer que estivesse ganhando, não estavam muito longe uma da outra.

Melissa como sempre, estava no mais profundo e imutável silêncio, dentro do seu quarto.

Estavam em mundos diferentes, em realidades diferentes, dentro da mesma casa.

Mais do que angústia, Charlie sentia dor. Uma verdadeira e intensa dor. Uma amargura persistente, um vazio enorme. Semelhante a uma intoxicação; uma náusea. Um constante luto por si mesma.

E era tudo o que tinha.

O inferno da cultura nórdica, ao contrário do restante, é um lugar extremamente frio e chama-se Niflheim.

Dark Place - The MadhouseOnde histórias criam vida. Descubra agora