Manhã.
Uma luz tênue acordou Charlie juntamente com o som irritante do despertador. Desligou-o e se pôs de pé; os ossos da coluna estralaram quando ela jogou os braços para trás. Permaneceu de pé por alguns segundos, inerte, respirando profundamente.
Mais um dia. Mais um maldito e entediante dia.
Saiu do quarto em passos silenciosos, temendo acordar Melissa. Dirigiu-se ao banheiro e se despiu, depois ligou o chuveiro. Água fria, como sempre. Levou as roupas para a lavanderia e foi ao quarto se vestir. Sempre tinha em mente o que usar, não demorava a escolher. Uma camisa branca, uma calça jeans e um tênis preto e branco. Separou um casaco preto e o cachecol para que vestisse depois, depois pegou a mochila e organizou os materiais daquele dia. Foi à cozinha e escolheu o que comer, puxou uma cadeira e sentou-se à mesa. Um pão com queijo e fatias de presunto. Charlie não bebia durante as refeições. Escovou os dentes, penteou o cabelo e pôs o casaco e o cachecol. O mesmo se repetia dia após dia, ano após ano.
Estava exatamente dois minutos e treze segundos adiantada. Colocou a mochila no ombro e caminhou sem pressa para o colégio. O céu estava nublado, como sempre.
O trajeto não costumava durar mais que quinze minutos. O colégio ficava ao final de uma longa rua sem saída. Os portões de ferro, abertos sob extrema vigia, assemelhavam-se a portões de um presídio de segurança máxima. As escadarias eram incrivelmente grandes, mas se acostumara a subir com o tempo. Enquanto subia, ouviu passos apressados de alguém atrás de si. De súbito, um impacto a fez pender pra frente, e ela quase tombou nos degraus.
- Bom dia! - Falou uma voz familiar em alto e bom som.
- Jessie...
Charlie afastou o peso de Jessie e se endireitou esboçando um sorriso engraçado, a mão sobre a coluna.
- Essa doeu. - Disse num gemido.
- Desculpa. - Respondeu risonha, pondo ambas as mãos trás das costas, a alça da pasta entre os dedos.
- Bom dia para você também. - Falou com ar de riso. - Podemos subir sem que você tente quebrar minha coluna de novo?
- Claro. - Respondeu sorridente.
Jessie não costumava estar de bom humor durante o dia. Charlie cogitou perguntar se ela estava bem, mas lembrou-se que era quinta-feira.
Era engraçado como a ordem dos dias influenciava no humor de Jessie. Nas segundas e terças-feiras, ficava irritadiça e de mau humor. Nas quartas-feiras vivia sonhando acordada. Nas quintas ficava agitada demais e nas sextas parecia não ter um cérebro.
Seguiram pelos corredores até que enfim achassem a porta da sala. Ainda haviam poucos alunos; alguns ao fundo e um ou dois na frente. Sentaram-se uma ao lado da outra na primeira fileira e aguardaram a chegada da professora Kauffman. Todos os alunos chegaram dez minutos depois. Muitas pessoas falavam ao mesmo tempo, um estrondo de vozes ecoava pela sala. Charlie não se dava muito bem com sons altos.
Desde aquele dia.
A professora entrou na sala sem pressa, colocou os materiais sobre a mesa e sem mais cordialidades foi desfilando até o quadro. Trajava uma roupa tão esquisita que qualquer um poderia jurar que fosse uma prostituta. Fez sinal para que os alunos se calassem e falhou miseravelmente. Como o habitual, ameaçou num grito esganiçado chamar o Doutor Olsen, diretor do colégio. Ninguém ousou falar de novo.
O dia decorreu normalmente, aula após aula. Charlie ficava mais entediada toda vez que precisava tocar numa caneta. Aquela mesma porcaria se repetia todos os dias. O sinal retiniu, indicando o intervalo, e uma manada de alunos tentou sair pela porta ao mesmo tempo.
Depois de descer as escadarias, Charlie virou no sentido oposto e atravessou pela lateral delas, chegando ao pátio secundário.
O pátio era um local espaçoso e retangular a céu aberto. No centro deste, uma forma oval de concerto com oito metros de comprimento era preenchida por gramíneas. Havia uma cerejeira esplendorosa no meio, a luz refletida nas folhas rosadas iluminava o pátio com certa delicadeza. Era possível ver os painéis de vidro dos andares superiores; grossas colunas de concreto erguiam-se para sustentá-los. Havia uma área sombreada abaixo de toda a estrutura, onde maior parte dos alunos se encontrava.
De súbito, Charlie trocou os passos rítmicos e deu um passo longo para a esquerda. Jessie passou direto por ela e tropeçou algumas vezes quando os pés voltaram a tocar o chão. Por sorte, ela não caiu no meio do pátio.
- Não bastou quase me derrubar das escadarias?
- Ah... É uma meta diária. - Respondeu Jessie, recuperando o equilíbrio. - Na próxima eu derrubo.
- Obrigada por avisar. - Disse, esboçando um sorriso.
Jessie começou a rir, recompondo-se rapidamente.
- Estava fazendo o que? - Perguntou Jessie.
- Andando por aí.
- Não me diga. - Jessie revirou os olhos.
- E você...?
- Bem, eu... - "O que eu ia fazer mesmo? ", sussurrou para si mesma.
Jessie pareceu desnorteada por alguns instantes, o rosto inexpressivo esboçava certo retardo mental. Como se acordasse de um sonho, ela piscou os olhos rapidamente.
- Ah! - Quase gritou. - Tenho que ir pra cantina antes que o intervalo acabe. Até mais!
Antes que pudesse responder, Jessie se apressou e foi correndo até uma fila formada em frente a cantina do colégio.
Charlie sentou-se num dos bancos ali perto e colocou a mochila sobre o colo, envolvendo-a com os braços. Jessie estava distante, mas visível. Agora estava em um canto com outras garotas, conversando enquanto comia o sanduíche com gosto de madeira recém envernizada servido pelo colégio.
Jessie sempre foi rodeada de amigos, ao contrário de Charlie. Ela tinha o sentimento de que apenas Jessie bastava, nada mais.
Jessie vivia cercada de pessoas, todos se divertiam com ela. Tagarelava bastante, e as pessoas gostavam de ouvi-la. Sua energia era contagiante, Charlie gostava disso.
Jessie era assim desde que a conhecera.
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Dark Place - The Madhouse
Horor[Volume 1 da saga "Dark Place" concluído] Dark Place narra sobre um mundo completamente arruinado. Todos os governos do mundo foram derrubados e uma quantidade incalculável de pessoas foram mortas em questão de poucos meses. O cerne da discórdia é c...