Era noite de domingo.
Dois dias atrás, foi a última vez que Charlie viu Jessie. De lá para cá, ela não conseguiu dormir direito. Sentia-se desanimada e mal levantava da cama; um sentimento amargurado dificultava sua respiração. Melissa ficou preocupada, pois sua filha não comeu direito nos últimos dias.
Sobre a cama, Charlie virava e revirava. Um sentimento de culpa não a deixava dormir. Sentia-se cansada, inútil.
"Me ocorreu que... eu nunca mais te veria", essa frase não saia de sua cabeça. Charlie sabia que o mundo estava um caos, e que era normal alguém estar deprimido, mas havia um sentimento insistente de que ela era a culpada.
De que ela havia deixado Jessie triste.
Charlie era inteligente, mas não conseguia entender a própria amiga. Faltava algo em seu raciocínio, algo primordial.
Não percebera, mas chovia torrencialmente lá fora. Um raio atravessou o céu e iluminou o quarto. Por um instante, seu raciocínio deixou de fazer sentido. Tomada pelo sono, os olhos de Charlie se fecharam aos poucos, e então ela dormiu.
Naquela noite, sonhou com um fulgor avermelhado. Era inconsistente e sem sentido. Mas ela sentia um perigo fulminante, como se pudesse morrer a qualquer momento. O ar gélido fazia seu corpo doer. Charlie se desesperou ao ouvir uma voz familiar gritando. Antes que o sonho se estendesse, Charlie acordou com um barulho irritante.
O despertador já tocava a um bom tempo. Ela se virou para desliga-lo. O relógio marcava cinco e meia da manhã; o céu estava escuro como a noite. Um clarão revelou uma silhueta próxima a porta; Charlie tomou um susto. Quando a silhueta bocejou, notou que era sua mãe.
- Pensei que você não fosse acordar nunca... - Disse Melissa. - Mas pelo visto você já acordou.
- Desculpa, estava um pouco cansada...
- E não estamos todas? - Falou Melissa, bocejando novamente.
Charlie se pôs de pé com dificuldade (tantos dias sobre a cama e, pelo visto, se esqueceu de como andava). O dia definitivamente estava congelando.
- Algo me diz que essa chuva não vai passar nem tão cedo. Tem certeza que vai para o colégio hoje?
- Não, não... o professor mora em zona de alagamento. Acho difícil que ele venha nessa chuva.
"Se bem que é o professor Thomas...", pensou.
- A chuva não é o pior dos problemas, né? - Brincou Melissa, com um humor "rebuscado". - Bom, vou voltar para a cama...
- Vou ligar para Jessie e avisar que não vou hoje, ela provavelmente iria só por minha causa...
- Faça isso... - Recomendou Melissa.
O telefone ficava sobre um móvel alto ao lado do sofá. Era um dos poucos aparelhos eletrônicos da casa.
Ela discou o número de Jessie e aguardou. Estranhamente, ninguém atendeu. A família dela sempre esteve de pé antes do sol nascer (talvez essa fosse a causa do seu constante sono). Jessie deveria estar acordada àquela hora.
Charlie ligou novamente e aguardou. Ninguém atendeu.
Charlie ficou nervosa, começou a respirar com dificuldade. Os piores cenários possíveis passaram pela sua cabeça numa fração de segundo. Havia algo errado, ela sentia isso.
Empalideceu ao ouviu passos do lado de fora.
Não ouviu mais nada depois disso.
Olhou pela janela da sala, a alvorada já permitia certa visibilidade. Viu a sombra de alguém desaparecer no meio da rua.
- Talvez tenha faltado energia na casa dela. - Disse Melissa, saindo da cozinha. - Me surpreende ainda termos em...
Sua frase foi interrompida por três batidas na porta.
Ambas se calaram de imediato. Exceto pela tempestade, o mundo mergulhou em silêncio profundo. Três batidas consecutivas.
Silenciosamente, Melissa foi até a sala e fez um gesto para Charlie acompanha-la. Olhavam fixamente uma para a outra, como que para manter uma comunicação não verbal.
Bateram mais três vezes na porta.
Melissa cortou o contato visual e fitou a porta por alguns instantes, parecia bastante apreensiva. Charlie olhou em volta e pegou o objeto mais próximo que servisse para se defender. Uma vassoura.
Mais três batidas, a última destas soou mais forte que as outras.
A mãe e a filha se aproximaram lentamente da porta. Houve mais silêncio.
Até que ouviram alguém chorando.
Era como o choro de uma criança; suave, mal se ouvia sob a tempestade.
Havia algo incomodando Charlie. Era como um ruído de fundo em sua cabeça, algo familiar, algo distante. Por mais que ela não quisesse, algo lhe dizia para abrir a porta.
Notando que ela pensou em algo, Melissa a encarou. Charlie não entendeu aquela vontade compulsória de abrir a porta.
Um passo em falso e as duas estariam mortas.
Engoliu em seco e fitou Melissa nos olhos. "Abra a porta", pensou. Com evidente incerteza, Charlie fez um gesto positivo.
Hesitante, Melissa encarou a porta novamente. O choro lá fora prevalecia. Depois de pensar um pouco, tomou alguma decisão. Aproximou-se lentamente da porta e tocou a maçaneta. Solicitou confirmação visual da filha, e a garota assentiu. Melissa contou até três com os dedos, Charlie se preparou para o pior.
Então Melissa girou a maçaneta.
Charlie arregalou os olhos.
Em frente à porta de casa, ajoelhada e suja de sangue, estava Jessie.
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Dark Place - The Madhouse
Horor[Volume 1 da saga "Dark Place" concluído] Dark Place narra sobre um mundo completamente arruinado. Todos os governos do mundo foram derrubados e uma quantidade incalculável de pessoas foram mortas em questão de poucos meses. O cerne da discórdia é c...