Capítulo 6 - Infância

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Horas após o ocorrido.

Melissa estava no hospital; o caso parecia grave. "Vai ficar tudo bem", foi tudo o que disseram. Charlie queria acreditar nisso, mas ela estava lá quando o pior aconteceu.

Todos observavam a pequena garota, sentada num banco, recostada na parede. Ela chorava compulsivamente, soluçando, sempre acompanhada de uma respiração ofegante. Sua cabeça doía, assim como todo o corpo. A pobre garota cobria o rosto com um cachecol sujo de sangue - que obviamente não era dela. Ninguém ousou se aproximar.

"Pai...", soou em sua cabeça. Talvez tivesse dito em voz alta, não tinha certeza.

Onde ele estava? Estaria bem? Charlie já sabia a resposta. Queria acreditar que ele estava em um lugar melhor, que estava em paz. Será que ele sofreu? Foi indolor? Eram várias perguntas para poucas respostas. As pessoas de jaleco no hospital lhe disseram para aguardar um responsável, e que ela deveria ficar ali. Se dependesse da família Starling, ficaria ali para sempre.

Pobre garota... A dor que a ferida lhe causava era insuportável. Não uma ferida física, mas uma ferida mental que jamais cicatrizaria.

Desejava estar longe dali. O mais longe possível. As pessoas olhavam para ela com pena, mas ninguém se importava de verdade. Cada um tinha seus próprios problemas.

"Espere", foi o que lhe disseram.

Esperar? Como poderia esperar? No meio de tantos estranhos? Porra, Charlie era apenas uma criança! Sequer deveria estar ali.

Um homem alto de jaleco branco veio em sua direção. Havia falado com este mesmo médico horas antes, era um amigo do seu pai. O médico tinha cabelos grisalhos e olhos de cor âmbar, infelizmente seu nome era desconhecido.

- Charlie? - Chamou-a com uma voz estridente, por mais que tentasse atenua-la.

A garota tentou responder, mas não conseguiu. A garganta estava ressecada, os olhos ardiam, o peito doía e ela respirava com dificuldade.

- Sua mãe acordou... E deseja vê-la. - O médico parecia inquieto, coçava a barba o tempo todo.

Charlie demorou a processar a informação. Enxugou as lágrimas e se forçou a erguer o rosto; o pescoço doeu quando o fez. O homem estendia-lhe um copo d'água, segurando-o pela boca. Ela pegou o copo e agradeceu com um gesto. Bebeu o conteúdo com dificuldade, a água parecia vidro descendo sua garganta.

- Se achar necessário, posso pedir a ela que aguarde.

Não iria ficar ali sentada, disso tinha certeza. Com dificuldade, se pôs de pé. As pernas doíam, os joelhos queriam ceder. Respirou fundo, as mãos trêmulas pendiam ao lado do corpo. O médico virou-se na direção oposta e pediu para que Charlie o seguisse. O homem não parecia ter muita prática com crianças.

Logo veria Melissa, mas de alguma forma, Charlie achava aquilo estranho. Sentia que havia algo fora do lugar, mas não sabia o que era.

Seguiu o homem por alguns corredores labirínticos. Tudo ali era branco demais. As luzes eram brancas, o chão era branco, as paredes eram brancas, as portas eram brancas, as roupas eram brancas. O lugar parecia fictício demais. O tempo passava e os corredores nunca acabavam. O homem não hesitava em momento algum e seguia certeiro.

Pararam em frente a uma porta fechada. Charlie notou que o homem a fitava de esguelha, mas ele desviou quando seus olhares se encontraram. Mesmo de relance, sentiu certa compaixão, talvez um pouco de medo. O homem suspirou e estendeu o braço para abrir a porta.

Quando a porta se abriu, a luminosidade obrigou Charlie a fechar os olhos. Quando conseguiu abri-los, o cômodo tomou forma gradativamente. A sala era espaçosa, uma claridade fulminante emanava das janelas. Sua mãe parecia adormecer sobre a cama hospitalar; a quantidade de aparelhos conectados ao seu corpo era assustadora. Havia um cobertor branco sobre ela que se estendia até o chão.

- Sua mãe é forte, Charlie. - Disse o médico num tom reflexivo. - Darei a vocês a privacidade necessária. Fiquem à vontade.

A garota adentrou o cômodo e o médico fechou a porta num rangido. O rosto de sua mãe virou-se em sua direção, seus olhos eram de quem estava morta. Charlie se aproximou, sem dizer nada.

Se entreolharam por alguns instantes, os olhos de sua mãe lacrimejavam. Melissa puxou Charlie para um abraço, independente da sua condição. A abraçou tão forte que chegou a machucá-la, mas a garota não reclamou. Melissa chorava compulsivamente, cada lágrima era uma gota da angústia, da dor e do medo que sentia.

Charlie sentiu um vazio indescritível, algo que transcendia sua tristeza. Era como se houvesse algo morto dentro de si.

Permaneceram ali por um bom tempo. Precisavam uma da outra; Melissa de uma filha, e Charlie, de uma mãe.

Dark Place - The MadhouseOnde histórias criam vida. Descubra agora