Capítulo - 17- "FANTASMAS"

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SENTIA O SANGUE PINGANDO POR ENTRE OS SEUS DEDOS, líquido e pegajoso. Na escuridão que antecedia a alvorada, ele finalmente se sentia só, abraçado pelas sombras que ofereciam guarita.

O céu estava vermelho, difuso pelos farrapos de nevoeiro fantasmagóricos que se estendiam ao longo de sua vista, dando ao ar um clima sinistro de se contemplar, enquanto as árvores dançavam na medida que os ventos tocavam sua música, tênue, gélida e solitária.  

Quando finalmente deu por si acordado, ressurgido de um sono mal adormecido, Grégory encontrou-se encostado em uma árvore descascada e envelhecida pelo tempo, onde as folhas caíam levemente quando sopradas pelo vento. A dor que sentia era terrivelmente insuportável. Tinha a cabeça latejando, os músculos dormentes e as vestes um trapo, onde antes estivera uma das roupas mais confortáveis que Xidrux poderia emprestá-lo. Mas isso fora antes, antes de toda a confusão que poderia ter encontrado Grégory novamente, antes, quando estivera com os amigos que embarcaram em uma viagem de busca, de resgate e de glória.

Algo dentro de si gritava por glória. Era quando pensava se enfrentasse os perigos da floresta com Alexis e Jamil e voltaria vitorioso e as pessoas de sua terra fariam canções sobre seus feitos. Diriam o quão astucioso e valente Grégory, aquele que veio do nada, poderia ser alguém importante, um homem de verdade que encararia sombras e guerras para salvar o povo de sua colônia. Mas tudo era uma imaginação de sua cabeça, nunca, jamais poderia ser essa pessoa, Grégory de Gardênia sempre foi o rapaz menos esforçado de sua Casa. Lírio via isso, Lírio foi o irmão mais velho, mas também era quem trouxera os problemas para sua vida, ou pelo menos foi isso o que acreditavam, essa era a história que havia sido contada.

Você disse que eles não o pegariam, irmão, ele tinha a cabeça um nó, mas, mesmo assim, mantinha seus olhos bem abertos para ver a escuridão. Tudo que você fez foi me proteger, tudo que havia feito era seu dever, mas era eu quem devia ter sido posto ao lado de Minos.

"Não se culpe por isso", a voz vinha de tão longe, mas ao mesmo tempo parecia estar bem perto de si. "Ás vezes coisas ruins acontecem para melhorar". Era uma voz fria que perfurava seu coração. Por vezes ouvia uma em um milhão, como almas solitárias clamando por atenção e libertação. "Não repita o mesmo erro".

— O QUE DEVO FAZER? — Não tinha forças suficientes para gritar, mas mesmo assim o fez.

"Lute".

Até quando? Quis chorar. Até quando hei de lutar contra as minhas sombras? Não há mais nada que se possa fazer para ser salvo. Estava decido a deixar que a morte lhe beijasse. Questionou-se quando vira o soldado matando seus irmãos e também quando vira o que o irmão se tornara, mas acima de tudo questionava se o que estava vivendo naquele momento era real. Poderia muito bem já estar morto, vivendo uma vida dos mortos e perambulando por aí atormentando a si mesmo com perguntas e conclusões que ninguém mais além de si poderia responder.

Quando sentiu as lágrimas subir aos olhos e a garganta se secar, teve a certeza de que estava pronto para o seu fim. Nunca mais veria sua casa. Nunca mais beijaria as garotas no beco atrás da Academia. Nunca mais lutaria com seus colegas. Nunca mais veria o irmão.

— Não. — Por um momento pareceu ter dito para si mesmo, mas apenas soltou as palavras ao vento. — Não posso ficar sozinho, não me abandone aqui.

A floresta continuou silenciosa. Não soprou seu ar gélido, não fez um ruído, somente o ouviu.

O sangue continuou a pingar de seu corpo quando tentava pressionar a ferida. Poderia muito bem enfiar minha mão dentro de meu corpo e alargar minha ferida, me matando aos poucos, acabando com esse sofrimento. Quanto mais desejava, menos coragem tinha de fazer. Quanto mais quisesse, menos sua mente o rejeitava. Proteja-me ou leve-me. Quis gritar novamente com os ventos e pedir socorro para alguma alma viva que lhe escutasse pela mata. Não sabia se estava sozinho ou se algo ou alguém lhe vigiava. Não pensava muito em morrer sendo devorado por um animal faminto, mas tinha de acabar de alguma forma.

As Canções da Guerra: GARDÊNIA | LIVRO 01Onde histórias criam vida. Descubra agora