Capítulo - 14- "SOMBRAS DO PASSADO"

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A NOITE CAÍA PROFUNDA NA MEDIDA em que a floresta silenciava e as sombras saíam de trás das pedras marcadas por garras e sangue.

Meus filhos crescem, pensou enquanto a luz da lua iluminava o seu rosto queimado e fumegante. Mas um deles foi embora e tarda a voltar. Enenra negava o que sentia, mas a floresta insistia em lembrar quem ele era e o que havia feito. Lembrava dos passos pesados do irmão mais velho, a habilidade em dança do outro e a sua marca que crescia a cada momento dentro de si. Era filho de um rei, irmão de dois príncipes e criado da morte. "Não negue o que você é", dizia a floresta. "Não tema quem você foi", e então ela se silenciava. 

Seus filhos necessitavam de gado, precisavam se alimentar e não parariam até conseguir sangue fresco e humano. Era a única forma de colocá-los na linha para não saírem atrás de quem quer que fosse que entrasse na floresta. Passava os dias escondido nas sombras planejando o que fazer dali para frente, de como ir atrás de quê os alimentasse.

O último ataque custou-lhes muitos guerreiros das sombras e muitos filhos transformados pelo tempo. Havia aquele que o ajudara a formar seu exército e aquele de quem sentiu o cheiro de sangue. Era um sangue quente e corrente, que podia ser sentido há quilômetros de distância e que os atraíra para um acampamento de homens de armaduras e armas afiadas. Sempre que se lembrava daquela noite, algo de estranho parecia se mexer dentro de seu estômago, como se o deixava enjoado saber que precisava daquilo para viver, mesmo sendo o que gostava de fazer, mesmo sendo tudo o que tina para fazer.

— Essa é a minha vida agora — ele respondia então para a floresta. — Tudo o que fui não passa de passado. Eu sou a sombra, minha velha companheira.

Todas as noites ele analisava as estrelas e a lua quando ela resolvia aparecer e lhes fazer uma visita. Gostava mais dela quando não iluminava as matas e não dava passagem para os humanos que estavam de viagem pelo local.

Uma de suas sentinelas vinha com a marca de sangue nos lábios e o cheiro de morte nas mãos. Não devia ter mais do que vinte anos quando respirava, mas, em compensação, servia muito melhor morto do que vivo. Usava a típica espada de aço afiado que os demais soldados possuíam, fora aqueles que vinham com seus machados de guerra potentes, grandes e fortes. Algo diferente chamou a atenção de Enenra, sua vil criatura se aproximava com demasiada fervura e não se importava se seus irmãos estavam no caminho. Um por um ela os derrubou e se pôs de joelhos à frente de seu pai.

— Senhor — disse-lhe —, trago informações sobre o humano com quem havia conversado.

A mão tocou o cabo da espada que pendia de seu cinto e apertou bem. E então se lembrou da noite quando encontrou ele lá, sozinho, agonizando de dor e suplicando por misericórdia. O cheiro do sangue escorrendo de seu ferimento era o que mais lhe agradava naquela situação desesperante. Era tempo de guerra e o lado daquele com quem fez o pacto estava enfraquecido, assim como o próprio que lutava para não morrer de hemorragia. "Salve-me, por favor", suplicara o garoto que se mostrava na época. "Te dou tudo o que tenho". Aquilo era tentador. "E o que não tenho".

Quando passou a mão em seu ferimento na perna, ele guinchou de dor como um porco na hora do abate. Já podia sentir o gosto do sangue na boca, mas algo o fez mudar de ideia. Seus dedos fumegantes e quentes penetraram em sua perna e ele gritou e gritou e a floresta ouviu. Suas sarnas sumiram, seus cabelos ruivos mudaram do castanho para o negro e seus olhos verdes foram para o avelã. Àquela altura o sangramento já havia parado e seus dedos pingavam em vermelho. O garoto encarava com insegurança e suplicou mais uma vez pela vida.

— Não irei lhe matar. — Disse.

— E o que deseja? — Perguntou ainda assustado. — Por que ajudou-me?

As Canções da Guerra: GARDÊNIA | LIVRO 01Onde histórias criam vida. Descubra agora