Capítulo - 16- "ELE QUER ME DESTRUIR"

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HOJE ELE IRÁ ME MATAR, Jamil pensava todos os dias quando acordava e não encontrava Tody por perto.

O rapaz sempre saía para caçar ao primeiro raio de sol, às vezes trazia consigo coelho ou galinha, mas muita das vezes aparecia com macacos de porte pequeno e um cantil cheio de água fresca. Sabia que havia um rio pelo local, mas devia primeiro estudar de que lado se seguiria as margens. Tody poderia muito bem ziguezaguear para despistar Jamil de seu real percurso, afim de desnorteá-lo. Isto o irritava. Tinha um medo dentro de si, um medo que sentira uma vez quando fora capturado pelos moradores de Tuvilin.

As lembranças dos abusos e dos mijos em sua cara ainda eram vívidas em sua memória. Certa noite sonhou que matava Águia Noturna com suas próprias mãos, em seguida era o filho quem vinha para a morte, Qraqium. Jamil tomara gosto pela vingança desde que Tytania o abandonara com o sádico na floresta. Por todas as coisas que eram mais sagradas neste mundo, ele desejava a vingança acima de tudo, a vingança por Tytania, por Qraqium, por todos aqueles aldeões e por Tody. Tody o ameaçava arrancar-lhe a orelha se gritasse por ajuda quando estava a caminho de Vila dos Ratos.

Por vezes perguntava se já estavam chegando e o rapaz o esbofeteava. Sabia então que nunca chegaria. O caminho era duro e longo, onde sempre esbarravam por caminhantes nas estradas ou homens de cota de malha patrulhando a região. Se você é um deles, por que há de se esconder? Não compreendia e preferiria não lhe fazer esta pergunta tão cedo.

Tody voltou com um javali pendurado nas costas. O animal não era grande, mas era o suficiente para mantê-los alimentados por um dia de viagem, mais um dia de viagem, um longo dia de viagem para um lugar onde nunca se chegaria.

— Gosta de javali? — A pergunta de Tody fora simples.

— Sim.

— Então verá eu me banquetear esta manhã. — Então riu.

Fazia sempre isto, deixando o que não aguentava comer para Jamil. Como Porfírio dizia, os filés para o patrão e os restos para o gato. Voltou a sentir saudade de sua casa, de seus colegas e de seu lar onde se criara com as demais crianças sem pais. Quando criança por vezes gostava de sonhar que era um cavaleiro juramentado que vivia em Monte Benitóite, sempre à procura de um fora da lei para manchar sua espada com sangue e tripas. Mas logo tinha de acordar e ajudar seus irmãos órfãos a preparar a casa para as visitas dos amigos especiais da senhora Néria; mais tarde descobrira que a velha era uma cafetina e que criara as crianças para seus fins.

Era eternamente grato à Porfírio por tirá-lo daquele lugar de abominação. Um dia, mendigando na rua, o homem o encontrara e levara para a fortaleza onde se alimentou, banhou e vestiu-se apropriadamente. Porfírio sempre dizia que faria o seu melhor para ajudar aqueles que suplicavam por ajuda. Era um guerreiro de verdade, sempre achara isso. Mas agora estava sozinho, afundado em tamanho desgosto e envergonhado por abaixar sua cabeça para o inimigo.

O ar estava gélido naquela manhã, cortesia da floresta e de seu rio que se encontrava em algum lugar por perto. Quando a fogueira começou a crepitar e o cheiro do javali subiu às narinas, seu estômago fez um ronco grande o suficiente para fazer Tody se impressionar. E, por alguma misericórdia, o rapaz lhe entregou um pouco de amoras que havia colhido quando fora caçar algo para quebrar o jejum. O gosto era encantador, não provara muitas quando estava em Gardênia, menos ainda quando saiu com os companheiros em busca de Minos, mas aquilo estava divino. No final, seus dedos encontravam-se roxos, assim como a boca que ainda degustava do sabor.

— Tem fome — Tody manteve o animal no fogo em um espeto improvisado. — Sabe, Jamil, eu nem sempre fui assim. A bem da verdade é que eu nem queria ser assim. Mas tenho deveres e obrigações para com os meus suseranos.

As Canções da Guerra: GARDÊNIA | LIVRO 01Onde histórias criam vida. Descubra agora