Colt 357 - Ligando os pontos

Anjos na estrada

A madrugada era dela naquela hora mágica, só dela. Na madrugada do acidente, entre 3 e 4 horas da manhã, quando as ruas estavam vazias e os anjos a tudo observavam, ela seguia pela Wilshire Boulevard a 130km/h, sem jamais diminuir a velocidade nos sinais vermelhos ao longo daquele trecho chamado Milha do Milagre.

Em relação ao que antecedeu o acidente, ela diria aos policiais, que lhe encheriam de perguntas, que ela estava numa boate, num desses lugares da moda com paparazzis aguardando na porta, um banho de flash para ao menos conseguir um bom ângulo seu, como se houvesse algum ângulo que não fosse bom.

Ela diria que havia passado algumas horas com seus amigos nessa boate, a maioria daqueles que estavam com ela eram atores, agentes e músicos; e ela não teria nenhum problema em identificar para a polícia cada um deles, já que todos haviam tirado fotos uns dos outros e posavam com drinques coloridos e caros.

Três da manhã era sua hora encantada. Ela já se despedia dos seus amigos que pareciam muito bêbados, mas ao menos estava tomando o táxi para irem para suas casas. Ela por não ter ingerido álcool, deixou alguns generosos dólares com o guardador de carros que trabalhava na boate e saiu com seu luxuoso carro.

Quatro quarteirões depois, ela estava sozinha, parada com seu carro no meio da rua deserta, havia desligado o motor e apreciou o vento que batia em seu rosto.

O silêncio da cidade naquela hora era reconfortante, um momento de calmaria para uma mente tão acelerada. Ela olhou para cima e imaginou anjos no alto dos prédios, olhando para ela como se fosse em um sonho. Eles diziam: "Nós estamos te dando esta cidade. Cause alguns problemas. Liberte-se."

Seu nome era Camila Cabello. Tinha 24 anos. Morava numa mansão no centro da cidade, numa área habitada por pintores e músicos, perto do rio Los Angeles. A família era dona de alguns prédios e de uma empresa de engenharia.

Após alguns minutos contemplativos, ela ligou o carro e pisou no acelerador, sentiu o vento bagunçar seu cabelo. Avançou alguns sinais, tanto fazia, estava deserto, era apenas ela e os anjos no alto dos prédios vigiando-a.

Fechou os olhos por uns instantes e largou os volantes, então os abriu e soltou uma risada por ainda estar em linha reta – a 135 km/h -, seu carro faziam um rastro negro e conversível, era avaliado em 200 mil dólares, e nesse momento estava sendo dirigido por uma latina de pele bronzeada e cabelos castanhos, tudo o que ela queria era sair correndo pela cidade.

Em algum ponto daquela estrada ela diminuiu a velocidade, apenas um pouco ao avançar por algumas ruas. Corria em direção ao seu destino, e isso queria dizer que voltaria para sua rotina triste, mas tudo o que ela queria era ser livre.

Quanto mais próxima de seu destino ficava, mais ela desacelerava, queria retardar sua chegada e desfrutar de seus momentos de liberdade. Pouco a pouco ia desacelerando, quando o mundo a seu redor embaçou repentinamente.

Seus olhos encheram de lágrimas ao constatar que faltava algumas poucas quadras para chegar em casa, sempre era assim, quando sua corrida solitária estava chegando ao fim. Durante aqueles minutos correndo pela cidade, ela podia ser ela mesma e ao desacelerar se perdia em quem era, estava retornando para sua realidade.

Camila dobrou em uma rua, checou pelos retrovisores se havia algum carro, nada, a rua estava igual as outras que passou, deserta. A rua estava pouco iluminada, os postes em cada lado da rua tinham suas luzes amareladas piscando, dando indício que logo parariam de funcionar como as outras. Era seu farol o responsável por iluminar aquela avenida.

Sua casa estava a poucas quadras dali, ela chegaria em quatro ou cinco minutos, mas não foi o que aconteceu, pois o airbag abriu, e com o impacto sentido, ela teve todo o seu corpo projetado para um lado. Seu carro girou sob o asfalto. O ar se encheu de poeira.