Vinte e sete

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– Apollo Razanne? Prazer Paula Cerquelha. – A mulher oferece a mão com um sorriso grande e surpreso.
– Prazer Paula, essa é minha namorada Rayssa.–  Apollo aponta pra mim e a mulher me olha com o mesmo sorriso, percebo uma pequena mudança no seu olhar que é muito bem disfarçado, sorrio falsamente.
– Prazer Rayssa. – ela me estende sua mão, mesmo sem vontade.
– Prazer Paula. –  ele me encara da cabeça aos pés.
– Então vamos entrar, primeiro olhamos por dentro, já está toda na mobília, contratamos uma design de interiores. –
Ela não disfarça o desagrado limpando suas mãos na saia social, acompanhada de um terninho rosa e uma blusa branca por baixo, assim que se vira de costas, não fico comparando seu estilo chique com o meu mais simples e não me sinto inferior por estar usando apenas um djeans preto e uma blusa de mangas curtas florida, ela entra na casa rebolando que nem uma cobra na areia quente, o telefone de Apollo toca e ele sai para resolver alguma coisa do trabalho.
– Se você que fosse comprar uma casa. – ela sorri maliciosa, e tenta disfarçar.
– Compraria essa? – completa.
– Não... veja bem, o estilo é antigo demais. – ela me olha de cima a baixo incrédula – E olha só essa escada do andar superior que coisa mais ancestral, imagina uma mulher grávida de nove meses subindo isso, e além de tudo é impessoal demais, talvez eu até compraria sabe, mas reformaria toda, só que, reformar uma casa como essa é perda de tempo e dinheiro, pra eu comprar essa casa tinha que ser de alguém que realmente me convencesse dos benefícios daquela escada.
– Ela tem vários benefícios sabe, talvez se tivesse uma dessas em casa não precisasse ter colocado... – ela aponta para os meus seios e bunda.
– Já ouvi o suficiente, vamos embora amor. – Apollo entra na sala e anda até mim, seu andar é felino. – Ah, e Pamela, ela não colocou não,  é tudo natural, já testei. – ele sorri e eu bato em seu braço.
– Não precisa ficar falando pra todo mundo, oxente.
– Não falei nada demais.
– Prefiro não vender pra tipinhos como esses. – ela fala porém já não escutamos mais, saímos da casa discutindo, deixando a mulher com cara de cachorro molhado.
– Amanhã às sete, temos outro lugar pra ir.
– Está querendo me impressionar comprando uma mansão pra morar sozinho?
– Estou querendo adquirir uma, e além do mais, eu tenho outras formas mais eficazes de te impressionar, ontem por exemplo, usei uma delas.
– Você anda bem convencido hein, não sei quem tá te deixando tão metido, por que quer uma mansão com um apartamento enorme como aquele?
– Ando um pouco cansado de morar em apartamento, mesmo sendo uma cobertura, é bom ter mais espaço quando for fazer algum evento, só quero sua opinião.
– Aquela casa era muito bonita.
– Mas realmente aquele tanto de escadas não me agradou, mesmo estando em ótima forma física acho cansativo ficar subindo e descendo escadas.
– Você está pedindo a opinião da pessoa errada, eu não entendo nada de casa ou arquitetura.
– Se você quiser posso ligar para Paula e pedir a ajuda dela. – ele provoca.
– Você tem o número dela? – meu humor azeda.
– Não, mas na agência que ela trabalha tem.
– Fica a vontade. – falo séria – se quiser não precisa nem ligar, dá a volta, eu desço e ela sobe.
Cruzo os braços feito minino buchudo embirrado e de canto de olho o vejo sorrir provocador.
– Não... prefiro você, pense bem, igual a ela eu já tive várias.
– Esse comentário não te ajudou em nada, quer dizer que sou a novidade da vez. – agora estou realmente puta.
– Talvez, mas nenhuma outra me convenceu a conhecer os pais, e com nenhuma delas eu fiz planos para daqui um mês, um ano, nenhuma delas passou mais que uma noite em minha cama.
– Nossa quanta honra. – falo irônica.
Ele gargalha, mostro o dedo do meio.
– Desculpa a brincadeira idiota, coração.
Você não prefere ficar com sua mãe hoje, até ela se adaptar? – ele muda de assunto, e sim, por mim eu ficaria com ela o tempo todo, depois do medo que passei ontem, e pensando no que aconteceu ontem, parece que foi há uma eternidade, aconteceram tantas coisas, é como se minha vida estivesse passando mais rápido depois que eu conheci Apollo, as coisas estão rápidas demais.
– Eu preciso trabalhar Apollo.
– Prometo arrumar alguma coisa no resort, mas acho que sua mãe precisa mais de você, ela precisa de roupas... – nego com a cabeça.
– Não seja orgulhosa Rayssa, não é só por você.
Fico calada tentando engolir o caroço em minha garganta.
– Não é orgulho, eu sempre fui independente, sempre trabalhei pra ter meu próprio dinheiro, só que agora nem diária estou fazendo.
– Pense que talvez isso esteja acontecendo pra vir coisas melhores.
– Talvez seja, mas é muito injusto perder tudo de uma vez dessa forma.
Falo um pouco desanimada, Apollo tira a mão do volante e toca meu rosto.
– Não estou te fazendo favores ou caridade, eu tenho uma parcela muito grande de culpa, eu sou um pouco responsável pelo que está acontecendo a vocês.
– Não quero que se sinta assim.
– Mas é verdade, se eu não tivesse... Enfim, se eu soubesse quem ela era.
– Você não tem culpa dela ter problemas psicólogicos.
Ele para no estacionamento do prédio onde mora.
– Use esse cartão, compre roupas pro seu pai também – me entrega um cartão preto – compre um vestido, vamos jantar fora no final de semana, e depois vamos a um motel, quero ouvir você gritar meu nome em vários decibéis, anota a senha no seu celular.
Acho que corei, mas por causa da menção do celular.
– Anota num papel, não estou com o celular.
Ele fuça o porta luva e encontra um cartão e uma caneta e anota, ele me olha nos olhos.
– O motorista te levará.
Confesso a vocês, não gosto disso, mas não vou reclamar, ele olha para os lados e me beija, me solta quando perdemos o ar, respira fundo e olha para o teto do carro, parece lembrar de alguma coisa.
– Eu tenho um apartamento amplo desocupado um andar abaixo da cobertura, está todo mobiliado.
Não sei onde ele quer chegar, não estou pensando direito, meu coração ainda está acelerado.
– No escritório estão as chaves, na primeira gaveta da mesa.
Lembro do escritório e o quanto resisti quando fui limpar, ao ver algumas prateleiras de livros, na parede, agora eu sei que posso ler e já fico ansiosa.
– Ray você está me ouvindo?
– Sim, no escritório, as chaves do apartamento, mas o que eu vou fazer com elas?
Ele me olha como se fosse muito óbvio.
– Leve sua mãe para conhecer, vê se ela gosta.
– Ela não vai aceitar.
– A convença, não quero que eles voltem para aquele bairro, você quer?
– O negócio não é querer, é poder, e eles não aceitarão, eu tenho certeza.
– Tudo bem, eu não sei porque essa mania de vocês de não aceitar ajuda, depois conversamos sobre isso, preciso trabalhar, mas se quiser as chaves estão lá.
Ele se irrita, e eu desço do carro como se ele tivesse me expulsando.
– Rayssa, você está esquecendo algo. – ele me chama – não seja mal educada, vem dá um beijo no seu pretinho.
Sorrindo me debruço na janela do carro, beijo seu rosto e não satisfeito ele me dá um selinho.
– Até mais tarde.
– Até... – ele sai, e eu fico observando, no portão de saída ele para o carro e desce falando no celular, um dos seguranças descem e tomam seu lugar na direção do carro enquanto ele entra no banco de trás do outro carro, tento ir na direção mas um rapaz que está ao meu lado avisa que é um procedimento de praxe, uma medida de segurança.
Vejo o carro sumir e ando até o elevador, a maioria das vezes tento fazer de conta que os seguranças não estão aqui, não por esnobismo mas para não me sentir sufocada e sem liberdade.
Subo para o apartamento, e encontro mainha sentada no sofá olhando através da janela.
– Oi fia já voltou, pensei que ia trabalhar.
– Apollo me levou pra ajudar ele a escolher uma casa.
– Não é pra gente não né?
– Não, ele disse que quer uma casa maior já que permanecerá aqui.
– Mãe precisamos comprar roupas pro painho e pra senhora.
– Com que dinheiro meu amor?
– Apollo me deu um cartão e disse que eu podia comprar roupas pra gente, e ofereceu o apartamento de baixo, disse que nós podemos ficar lá.
– Não podemos aceitar, ele não tem obrigação com a gente.
– Mainha, aceite por mim, não vou ficar tranquila sabendo que a senhora está sozinha e sem proteção em casa.

Só depois de muita conversa, ela aceita ir comprar as roupas, então saímos e compramos tudo que meus veínhos estavam precisando, enquanto mainha escolhe as roupas de painho eu vou na seção de lingerie e encontro algumas que são só as tira, coloco na pilha que as vendedoras fizeram pra nós, escolhi uma loja popular, mas que as roupas são boas, e tem tudo que eu preciso.
Voltamos pra casa cansadas, os seguranças carregam nossas sacolas, mainha não se acostumou ainda com os dois armários ao nosso lado e os olha desconfiada, entro no escritório do Apollo e respiro apaixonada pela beleza de algumas estantes, vou até a mesa de madeira escura, que está coberta por uma pequena camada de poeira, faço uma anotação mental de voltar e limpar tudo, pego a chave na gaveta e saio.
– Aqui também é muito bonito, minha fia, não vou me acostumar com uma casa chique dessa não, não vamos conseguir pagar isso não. – o apartamento está com todos os móveis, em tons claros, também com vista para o mar.
– Não se preocupe com isso mainha.
– Eu tô pensando é quando a gente voltar pra nossa casa depois de passar um tempo num lugar desse, a gente não pode esquecer que nada aqui é nosso, visse.
– Não... Não podemos.
As únicas coisas que diferenciam esse apartamento da cobertura é que nesse não tem piscina. Passamos a tarde toda arrumando as roupas novas, não compramos muitas, apenas o suficiente para passar  a semana. Percebo que já está no horário da faculdade então tomo um banho rápido e desço para o estacionamento e dois armários me acompanham, um deles abrem a porta.
– Obrigada. – espero que eles entrem.
Qual o nome de vocês?
– Alcides. – um deles, o que aparenta ser mais velho.
– Carlos – o  mais jovem responde.

Eles não dão muito espaço pra conversa então passo a observar a paisagem do lado de fora, pegamos um pequeno engarrafamento, olho os carros passando por nós, o ônibus que eu peguei há algumas semanas para ir até a faculdade passa por mim. O carro para no estacionamento rápido da faculdade e desço após o segurança mais jovem abrir a porta, ele olha para os lados e eu também, e algo me chama a atenção, Arão está conversando com uma moça de cabelos pretos que está de costas, está um pouco afastado da entrada da faculdade, ela beija o rosto dele e sai em direção oposta, ele a observa se afastar sorri abestalhado e vem em minha direção, ainda estou olhando, com os seguranças ao meu lado.
– Senhora, precisa entrar, aqui a senhora está muito exposta.
O mais velho chama minha atenção, obedeço sem perceber, com uma sensação estranha, sinto que conheço aquela mulher de algum lugar.
– Mulher que marmota é essa? Lá ela, virou famosa, será que ainda posso chegar perto da minha amiga?
Brenda grita e abro os braços e peço espaço para os armários, ela se joga em meus braços.
– Me conta direito essa história. – ela olha para o Carlos e fica vermelha.
– Alguém colocou fogo na minha casa, vamos sair daqui e te conto tudo.
Arão passa por nós e eu falo para sondar.
– Namorada bonita hein, Arão!
– Oxente, você viu?
Ele pergunta surpreso e muito branco, e diferente de alguns dias atrás não me encara.
– Você está bem Rayssa?
Muda de assunto.
– Graças a Deus.
Brenda nos encara, e percebe algo, depois que ele sai ela me cutuca.
– Ele tá esquisito... Alguns dias atrás babava no chão que você pisava, não perdia a oportunidade de falar com você, agora parecia que tinha visto o diabo.
– Ele tem namorada você sabia?
– Nunca vi ele com ninguém, parece um virgem inrustido, nunca gostei do jeito que olha pra gente.
Escolhemos uma sala vazia e entramos peço aos seguranças pra ficarem na porta e eles obedecem após olhar a sala, reviro os olhos, mas aceito.
– Eu sinto que tu não me contou tudo.
Brenda é um pouco sensitiva.
– Não, não contei.
Mostro pra ela as fotos e a ameaça, ela jura que não foi ela, mas se cala ao perceber que eu já sabia, conversamos por um bom tempo, ela me oferece ajuda pra matar a Patrícia.
– A gente joga o corpo dela no mar.
– Não, a gente amarra ela pelada e coloca sentada num formigueiro.
Sorrimos das suas loucuras e saímos no horário da aula, quando a professora entra e fala sobre a matéria do dia eu esqueço tudo, só uma coisa não sai da minha cabeça.
Conheço aquela mulher, mas de onde?

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