Sonhos

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Acordei com meu coração quase saindo pela boca! Esses sonhos ainda iriam me matar, tenho certeza disso. Olhei no celular ao lado da minha cama e ainda eram quatro e meia da manhã. Esse sonho de novo... Disquei o numero da Vicky e esperei que ela atendesse.
-Alô – Ela falou com voz de sono,iria me matar por acorda-la tão cedo.
-Vicky, sou eu a Mila... Podemos conversar?
-O que aconteceu Mila?
-Tive outro sonho...
-Você me acordou as quatro e trinta e cinco pra me contar a porcaria do seu sonho, pela décima vez? Malia, daqui duas horas temos aula, espera e me conta lá.
-Mas você disse que era minha amiga... A qualquer hora.
-Sim, mas hoje não estou cobrindo o turno da noite... Ou melhor, da madrugada! Vai dormir Mila.
Parece que não ia ter outra solução... Arrumei o travesseiro e fui dormir mais uma vez.
-Você ta com uma cara péssima! Parece que passou a noite toda acordada. – Olhei pra cara da Vicky, minha amiga ruiva tipo uma Weasley. Ela estava com a cara péssima.
-É o que acontece quando as pessoas resolvem me acordar às quatro da manhã, sem nenhum motivo aparente.
-Tive outro sonho Vicky, com o mesmo lugar, as mesmas pessoas e a mesma história. Mas é como se eu estivesse olhando tudo por cima sabe... To começando a ficar assustada. Será que to ficando maluca?
-Você não esta ficando maluca Mila, você já é. Mas acho que esses sonhos, bom, você devia começar a desenhar os lugares que você vê, quem sabe assim descobrimos onde é, e achamos uma razão pra você estar ficando paranoica.

Tinha que admitir que até fazia um pouco de sentido o que a Vicky falava mas desenhar seria dar vida aquele lugar e só de me lembrar como era, me dava arrepio. O caminho para a sala de física não era longo, muito menos quando você tem que fazer uma prova super difícil, uma prova que você passou o mês inteiro estudando e não sabe nadinha sobre a matéria.
Sentei no lugar de sempre e comecei a pedir perdão pelos meus pecados e pedindo misericórdia pra conseguir pelo menos a nota mínima nessa prova, se não a coisa ia ficar bem feia pro meu lado.
-Que bonitinha! Ela ta meditando antes da prova.
Nem precisei abrir os olhos pra saber quem era... Só pela voz de taquara rachada já dava pra saber que era a Paloma. 
-Nossa, não precisa me ignorar Malia... Onde comprou esse casaco? No brechó no fim da rua?
-Acho que foi na loja da sua mãe – Ofereci meu melhor sorriso e ela me fuzilou com o olhar.
-E já disse, meu nome é Mila! Não gosto que me chamem de Malia.
-Por que não? De qualquer jeito é um nome feio!
-Sabe o que significa Paloma em espanhol?
-Não
-Pombo! 
Ela jogou um livro em mim e eu dei risada. Não suportava essa garota, de jeito nenhum! O mundo é tão grande, porque os pais dela tinham que ter se mudado pra cá? Era castigo, pelo que eu não faço ideia, mas tinha certeza de que era um castigo.
Olhei o livro que ela havia jogado em mim e reconheci sua letra na hora. Desde quando a Paloma sabe escrever? Bem em cima da folha, no centro havia algo escrito “O príncipe do Fogo”. Levantei a sobrancelha e quando ia perguntar o que aquilo significava ela tirou o livro de mim e foi se sentar no outro lado da sala.
A professora de Física chegou na sala e já senti um nó se formar em minha barriga. Hoje eu estava completamente ferrada! Ela não era muito alta, tinha os cabelos cortador até os ombros e usava óculos, como toda boa cidadã do Alaska, parecia uma lesma de tão branca.
-Bom dia! Somente caneta, lápis e borracha em cima da mesa. 
Ela entregou as provas e me olhou com aquele olhar que fala “To louca pra colocar um F- na sua prova”. Quando terminou de entregar as folhas, olhei cinicamente para todos na aula e deu um irônico Boa sorte.

Eu não era anti-social, mas não forçava simpatia pra todo mundo. Na escola eu tinha uns seis amigos próximos, daqueles que você se senta todos os dias pra conversar e o assunto nunca acaba.
-Ouvi dizer que o Mike deu um fora na Maggie. Ela foi pro banheiro quase morrendo de tanto chorar.
-Não sei porque Brian! O Mike nunca prestou, todo mundo sabia que ele era o maior galinha da escola e mesmo assim ela insistiu, até demorou pra ela levar um chute. Aposto que ela não vai dar as caras no solstício hoje.
-Mila falando no Solstício... Você gostaria de ir comigo?
-Eu vou com você Brian, vamos todos nós. – O clima ficou tenso na mesa e eu percebi o que ele quis dizer... Que mancada!
-Bom... Passa lá em casa hoje à tarde e vamos juntos pra lá... Pode ser?
Brian assentiu dando um sorriso que faria qualquer garota parar de respirar. Mas eu não. Sabia que Brian nutria certos sentimentos por mim e eu não o correspondia, não queria enganá-lo mas, que mal havia em tentar não é? Ele era um cara legal e eu já estava com quinze anos, quase dezesseis, estava na hora de arrumar um namorado. 
A festa do Solstício acontecia no ultimo dia do Crepúsculo. A partir desta noite, teríamos sol vinte quatro horas por dia por quase três meses, chega de escuridão. Como acontecia um show de luzes no céu, todos da cidade iam para as montanhas, lá teria várias barriquinhas com chocolate quente, Marshmellow para assar na grande fogueira e na hora do solstício, no ápice da noite, as luzes tocavam o chão e todos nós olhávamos maravilhados, o fenômeno mais lindo da Terra.
Depois da escola fui pra casa, fiz alguns rascunhos da cidade que eu havia visto no meu sonho mas eu não conseguia desenhar direito então fui tomar banho. Quando se vive num lugar tão frio, tomar banho no chuveiro nunca resolve porque no segundo que você sai debaixo d’água para se ensaboar, você congela. Então coloquei alguns aromas na banheira, e deixei encher o máximo possível. Tirei os três casacos gigantes que estava usando e me enfiei na água quentinha.
Não sei se foi por causa da água, dos aromas com poderes calmantes ou se foi apenas cansaço, eu adormeci na banheira. E tive outro sonho.
Era um dia ensolarado. Eu estava saindo de uma caverna e a minha frente, estendia-se uma praia de areia branca e a água mais azul que eu já havia visto. Caminhei por um longo minuto, deixando que a água tocasse meus pés. Era quente. Um pouco mais adiante, vi uma silhueta, como a de um homem e me dirigi até ele, na esperança de descobrir onde eu estava.
-Com licença... O senhor poderia...
Senhor era o meu pai perto dele! O rapaz a minha frente era alto, forte, sua pele levemente bronzeada, olhos verdes e o cabelo cacheado. Calei-me imediatamente.
-Quanto tempo!
Ele acariciou brevemente meu rosto e olhou em meus olhos.
-Você cresceu, não parece que é aquela criança de que todos falam.
-Qu...Quem é você?
-No momento não precisa saber... A única coisa que digo é para que tome cuidado. Você esta prestes a fazer dezesseis anos e muitas coisas podem acontecer... Confie no que seu coração diz princesa e tudo dará certo.
Eu o olhei sem ter a menor ideia do que ele estava falando e senti algo frio no meu pé. Olhei e a água já não estava tão azul como antes.
-O mundo está em desequilíbrio novamente... Precisamos de você!
A água se tornava cada vez mais fria e eu fitei atônita o mar ficar agitado e a água ficar gelada, como gelo. Quando olhei pra cima novamente, não vi mais o cara misterioso. Corri atrás dele, precisava saber quem era, mas não o achei. O frio estava ficando insuportável e quando abri os olhos, estava no meu banheiro e a água estava completamente gelada. Sai depressa, me enrolando no roupão e batendo o queixo. Eu preciso passar num psiquiatra! 

Escutei minha mãe gritando meu nome e abri a porta para responder.
-O que foi?
-O Brian ta aqui Mila, disse que vocês vão juntos ao Solstício!
-Disse pra ele vir só a tarde...
-Mila, são quase seis horas da tarde... Você tava dormindo?
Seis da tarde? Impossível! Não posso ter dormido por três horas!
-Eu... Fala que eu já estou descendo.
Coloquei a primeira roupa que vi, escovei meu cabelo, coloquei uma touca e sai apressada.
-Divirta-se!
-Valeu... – Peguei a bolsa e sai de casa. Realmente, já estava quase na hora do Solstício, o tempo já estava ficando mais claro e as pessoas já colocavam as cortinas especiais em suas casas.
-Está bonita!
-Obrigado.Vamos, não quero perder as luzes tocando o chão.
A montanha já estava barulhenta, centenas de pessoas já estavam ao redor da fogueira e podíamos ver ao longe a fumaça do grande caldeirão de chocolate quente. A subida da montanha foi decorada com as flores típicas do verão e tinha luzes por toda parte pois ainda estava um pouco escuro. Ao longe pude ver o restante dos meus amigos conversando e rindo de alguma piada idiota que a Luna deve ter tido. Do outro lado, Paloma e sua hum... Podemos chamar de gangue estavam tirando fotos com várias poses diferentes.
-Trouxe minha máquina, caso queira tirar alguma foto.
-Obrigado Brian mas, eu prefiro prestar atenção e desenhar depois...
-Como eu não sou nenhum Leonardo da Vinci, me contento com a câmera mesmo.
Comemos,bebemos e conversamos um pouco, deu até pra fazer uns rascunhos da montanha até que chegou o grande momento.
O céu começou a clarear e as luzes num tom mais escuro que tomavam conta da cidade, iam subindo lentamente e as luzes claras se misturavam como numa dança. Senti braços envolver minha cintura. Olhei para trás e vi Brian me abraçando enquanto observava o Solstício. Não me esquivei de seu abraço mas também não o retribui. Apenas me concentrei no show. 

Sabe aquela sensação de que tem alguém te olhando? Já estava sentindo isso a um tempo e nunca passava. Olhai para o Brian mas ele fitava as luzes feito uma criança que olha o mundo pela primeira vez. Olhei para os meus amigos e ninguém prestava atenção em mim. Olhei até para Paloma, que pela primeira vez na vida tinha ficado quieta. E foi a hora que eu o vi. Ele estava atrás da Paloma e não parecia nenhum pouco interessado nas luzes. Olhos verdes contra olhos castanhos. Sentia que conhecia aquele menino de algum lugar, só não me lembrava da onde. Não consegui desviar de seu olhar e quando as luzes tocou a montanha e pude vê-lo com perfeição, percebi que era o menino do meu sonho.
Tirei os braços de Brian e corri na sua direção para falar com ele. Estupidez eu sei, mas precisava saber quem ele era e porque tinha sonhado com ele. A Paloma percebeu e como ela não pode me deixar cinco minutos em paz, começou a correr atrás de mim.
Ele corria rápido mas finalmente eu estava conseguindo alcançá-lo. 
-Heey! Espera!
Gritei mas ele fingiu que não ouviu meu chamado. Nem se quer olhou pra trás. A Paloma segurou meu braço e nós trombamos.
-Aonde está indo Mila?
-Paloma eu adoraria discutir com você mas não to com tempo! Por favor me deixar ir.
-Ir aonde? Você já se deu conta de onde esta?
-Não...
-Estamos quase no topo da montanha Mila, se subirmos mais vamos congelar. Você precisa voltar!
Mordi os lábios e olhei ao redor, ela tinha razão. Precisava voltar, mas vi que o menino continuava correndo, Cada vez mais pra cima da montanha e não me controlei, voltei a correr atrás dele.
Paloma me xingava pelas costas mas não me deixou ir sozinha, o que de certa forma me deixou feliz. Com um lampejo de luz, entramos numa floresta coberta pelo gelo. Parei por um momento e tentei me localizar.
-Não sabia que nessa montanha tinha floresta...
-E não tem Mila! A gente se perdeu, não faço ideia de onde nós estamos.
Escutamos alguns passos mas não conseguimos ver ninguém. 
-Menino! Cadê você?
-Para com isso Malia! Você correu atrás desse menino e olha onde meteu a gente, tenho certeza de que ele não queria ser seguido... Agradeça se voltarmos com vida.
Avançamos dentro da floresta e cada vez mais ela ficava densa. Como eu podia ter seguido um estranho até aqui?! Como voltaríamos para o local do Solstício?
-Ali, tem uma saída ali.
-Onde?
-Me segue Mila, ao contrário de você, eu sei onde nós estamos.
Revirei os olhos mas não discuti. Estava com medo de que ela resolvesse me largar ali mesmo. Depois de andarmos mais alguns minutos, estávamos de novo na montanha coberta por neve.
-Malia!! Paloma!!
Várias pessoas gritavam nossos nomes e o céu já estava bem claro. O Solstício havia acabado.
-Brian, o que foi?
-Malia! – Ele gritou aliviado e me abraçou bem forte. O que é que ta acontecendo?
-Onde vocês se meteram? Quase chamamos a policia pra procurar vocês.
-Relaxa Brian gorducho, nós só fomos dar um passeio.
-Um Passeio de três horas e meia Paloma? Vocês simplesmente sumiram!
-Três horas – Eu e Paloma falamos juntas, assustadas... Tínhamos saído dali no máximo por trinta minutos.
-Onde vocês se meteram?

Nós nos olhamos e sem dizer uma palavra entendi que não era pra contar de fato onde tínhamos ido. Dissemos que estávamos andando pela montanha e perdemos a noção do tempo. Mas é claro que as duas sabiam que não tinha acontecido nada disso, mas o melhor a fazer era esquecer tudo isso e fingir que realmente ficamos perdidas na montanha por três horas e meia.

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