O preço da lucidez

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Tinham algum tempo, muito pouco, mas pelo menos bastava para respirarem antes de tudo começar. O plano estava pronto, todos sabiam o lugar que deveriam tomar e agora só cabia a todos confiar em Caspian e Edmund.

Lucy não gostava de ficar tanto tempo dentro do palácio, quando precisava respirar tendia a buscar conforto no ar fresco do jardim. Ainda sentia um aperto, agora menos doloroso e longínquo, quando seus dedos tocavam na grama fresca, por lembrar das horas que passou ali com Tumnus conversando sobre todas as coisas possíveis, dançando juntos as músicas que o fauno tocava em sua flauta para alegrar a velha amiga em horas tão difíceis ou ao fim de dias cansativos.

Seguiu caminhando pelo jardim em busca de conforto, mas olhar para o gramado levemente crescido também trazia desconforto, pois sabia que a causa desse tamanho era pela falta de jardineiros para cuidar. Antes todos a cumprimentavam felizes, sempre foi amiga de todos que trabalhavam naquele palácio, mas agora estava sozinha e ver aquele espaço enorme com apenas sua presença era difícil.

Poderia ter mergulhado na própria melancolia, seus olhos já estavam inundando de lágrimas e Lucy sentia que a qualquer minuto iria desabar. Era difícil ser forte o tempo todo, foi nessa crise política que percebera ainda não ter conseguido digerir o inferno que passou duzentos anos atrás. Sentia-se horrível por amar seu irmão mesmo sabendo de tudo o que ele fez e sabia ser merecedora das palavras cruéis ditas pelos súditos nos últimos dias, sabia disso. Apesar desse sufoco começar a tomar seus sentidos, ver Caspian perto de uma árvore pareceu trazer um pouco de lucidez antes que uma crise começasse.

Caspian estava na sombra, mas sua mão direita tinha sido esticada para os primeiros raios de sol que banhavam aquela área.

─── Eddie disse que vocês são iguais, não vai queimar. ── sentiu-se estúpida por falar algo tão óbvio.

O vampiro riu silenciosamente, mantendo os olhos voltados para a mão ainda.

─── Ainda não me acostumei com isso. Foi tanto tempo aprendendo a evitar que ainda é automático esperar doer. As vezes seu irmão consegue criar metáforas até por acidente.

─── Diz isso por causa da Jadis, certo? ── colocou-se ao lado do vampiro, este assentiu ao seu questionamento. ── Susan sempre soube lidar melhor com isso, Eddie nunca me deixou ter noção dos danos que sofreu.

─── Eu só pude ter ideia dos danos quando comecei a sentir a agonia dele. Mas diferente de Eddie, um dia vou me acostumar com o a luz, já as feridas de Jadis, é um fardo que no máximo posso ajudar a carregar, mas sempre vai estar presente. O preço por amar seu irmão é alto, muito alto.

─── Vale a pena?

Caspian virou de frente para a jovem rainha, repousou uma mão em seu rosto e deslizou o polegar para enxugar as lágrimas na linha d'água de um dos olhos.

─── É difícil para você compreender, mas vale. Eu garanto. Vampiros sentem de forma diferente, nosso amor é diferente do amor humano.

─── Então aquela sua primeira esposa, você não...

─── Eu amei Lilliandil, amo ainda, mas não como amo seu irmão. Tipos diferentes de amor, entende? Momentos diferentes da vida. Sei que se ela estivesse viva não estaríamos juntos, ela não suportaria o que me tornei e eu não mudaria isso, porque não me arrependo de minhas decisões.

─── Parece complexo ── sorriu timidamente, abaixando a cabeça, mas Caspian ergueu seu queixo, rindo.

─── Na verdade não é. Isso sequer chega a ser um dilema. Pessoas entram e saem das nossas vidas, Lucy, demora a parar de doer quando saem, mas com o tempo as lembranças e os sentimentos em torno disso voltam a trazer conforto.

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