O Trauma

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Foi difícil viver os próximos dias depois da primeira paisagem do medo, aquilo me aterrorizava diariamente, eu quase não dormia mais, e sempre que dormia, eu tinha pesadelos. Descobri que eu também tinha medo de mutações genéticas, depois de ouvir Miles contando a Michael sobre um experimento feito na Erudição, que deixou uma cobaia um pouco zumbi. Alguns outros medos foram acoplados a minha paisagem depois de algumas sessões, até mesmo o medo da paisagem do medo. Eu estava acabada, provavelmente eu era a mais abalada com tudo aquilo.

Zacky tirava de letra, a paisagem do medo parecia não afetar ele de forma alguma. O meu melhor tempo era de 30 minutos o de Zacky eram de dois minutos e meio. Um record inacreditável, ele pulou, num piscar de olhos, do ultimo, para o segundo lugar, deixando Eric em terceiro. Eu nem preciso dizer como isso o afetava, lentamente as chances dele ser um líder estavam se esvaindo e isso o prejudicava nas avaliações. 

Eric andava muito estranho, extremamente irritado e sem paciência, mal humorado e seu lado sádico crescia a cada dia, a cada paisagem do medo, ele saia pior e mais duro. Eu mal tinha tempo de conversar com ele, passava a maior parte do tempo tentando me recuperar de meus medos pra sobreviver a próxima sessão. Eu seria cortada, de fato se eu continuasse piorando, estava entre os piores, abaixo da linha vermelha, e isso não podia continuar.

Naquele dia eu estava sem fome, depois de uma exaustiva sessão de treze medos. Tomei um banho e me troquei para andar um pouco.

- Zacky, preciso que você vá até a sala do medo.

- Algum problema Ben?

- Não, nada em especial, como você está segurando bem as paisagens do medo queremos... Fazer um teste com você. Se... Você permitir é claro.

Zacky levantou orgulhoso, ele finalmente era bom em algo, saiu do dormitório sorridente e enquanto Eric o olhava com desprezo que ele retribuiu triunfantemente com uma piscada. Eric apertou as mãos uma contra a outra e bufou voltando a demonstrar a expressão dura que se tornava cada vez mais rotineira.

- Tudo bem? - Eu perguntei para ele que somente assentiu - Quer vir caminhar comigo? - Obtive somente um gesto negativo com a cabeça - Tem certeza?

- Eu quero ficar sozinho - Ele respondeu de cabeça baixa, mas com a voz firme e feroz, eu me afastei e saí sem dizer nada, apesar de estar triste.

Não sabia direito onde foi que eu tinha perdido a conexão com ele, mas sentia falta das nossas conversas e de como ele era inteligente e acrescentava na minha vida com informações, que eu nunca pensei que teria um dia. Fui para a Caverna e me apoiando nas pedras desci o máximo que eu pude pra ficar perto do rio, o barulho das águas batendo nas pedras me ensurdeciam às vezes, e faziam com que eu também ficasse surda para os meus pensamentos ou flashs que passavam pela minha mente.

Naquele momento eu sentia muita saudade de casa, muita saudade do jeito calmo da Amizade, onde eu não sabia o que era medo, porque eu não tinha motivos pra ter medo. Saudade do sol batendo na minha janela de manhã e dos dias de preguiça onde eu fugia das tarefas, mas sempre era encontrada por algum dedo duro em cima de uma árvore. Saudade da Johanna e seus intermináveis sermões e até mesmo dos soros da paz. Eu precisava disso, de paz.

Tirei as botas depois de um longo tempo sentada ali, refletindo sobre como minha vida era antes de eu deixar meu sangue cair naquela tigela, tentei me lembrar da ultima vez que eu ouvi minha mãe dizer que me amava e enquanto arregaçava a barra da minha calça preta, lembrava que Kleiton era um grande candidato a meu futuro marido. Uma vez ele disse que me amava, mas eu não sabia se era de verdade. Talvez eu tenha perdido essa oportunidade.

Era muito raro ouvir palavras de apoio e motivação na Audácia, e demonstrações de carinho eram quase que uma fraqueza, eu tinha necessidade disso, esse era o meu lado Amizade. A ultima pessoa que abracei foi minha mãe, morta em meus braços na paisagem do medo. Não pense nisso. Daqui a alguns dias, vamos carregar alguns caminhões, eu vou poder vê-la, e Alice, e Kleiton, uma pena Bill ter ido para a Erudição, seria ótimo revê-lo também.

Contos de Uma AudaciosaOnde histórias criam vida. Descubra agora