ఌ︎ 2 - Lugares para se esconder

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Eu não conseguia parar de pensar em Pierre Arnois.

Quando seus restos foram encontrados depois de o serviço de proteção à testemunha ter falhado em protegê-lo, tiveram que confirmar sua identidade realizando um teste de DNA. Ele não tinha mais arcada dentária… A perícia concluiu que seus dentes haviam sido arrancados um por um com alicate.

Também não tinha impressões digitais, assim como várias partes de seu corpo,suas mãos tinham sofrido choques tão intensos e prolongados que sua pele ficou coberta de queimaduras. E seu rosto… pelo que me atrevi a ler nos jornais, sua cabeça tinha se transformado em um purê de sangue, miolos esmagados e pedacinhos de ossos triturados.

Yuri Kulik… Era isso que ele fazia com quem se atrevia a ficar em seu caminho.

E Arnois era só um contador. Apenas um cara que viu alguns números e fez uns cálculos que ninguém fez.

Os livros e registros tinham sumido. A memória de Arnois era tudo o que tinha restado, até ela ser transformada no purê de sangue, miolos e pedacinhos de ossos.

Quanto a mim, eu não tinha visto só alguns números. Tinha-o visto matar uma pessoa.

Não era ele, Lili. Não podia ser ele.

O homem tinha se transformado no inimigo público número 1. Até o caso de Arnois, a investigação ocorrera de forma secreta, e apesar de a polícia ter certeza de que Kulik era culpado de todos os crimes investigados, nunca havia uma prova definitiva contra ele. Foi apenas quando o purê de Arnois foi descoberto,há duas semanas, que o rosto de Kulik começou a aparecer na TV e não parou mais.

Era ele. Eu não podia me enganar. Era ele, sim. Ele matou uma pessoa na minha frente, sim.

Dei uns tapas de leve na minha testa e desejei voltar no tempo. Voltar para quando meu maior problema era perder a virgindade. Olhei para o relógio e percebi duas coisas: Mads ia demorar uma eternidade para voltar e eu não ia conseguir dormir.

Tentei comer alguma coisa, mas não deu certo. Lavei o rosto e me servi uma taça um vinho branco que Mads tinha na geladeira, tentando trazer minha respiração de volta sob meu controle.

Sentei no sofá e encarei o nada por longos minutos antes de finalmente decidir me distrair com alguma coisa. Procurei o controle da televisão e me preparei para as longas horas que seguiriam, compulsivamente mudando de canal.

A TV fez um som ao ligar, e percebi que minha compulsão teria que esperar: a jornalista tinha um tom grave e estimava a quantidade de feridos na explosão. O canal indicava que eram imagens ao vivo,e a jornalista explicava que havia sido um vazamento de gás; polícia e bombeiros já estavam no local, mas ainda não tinham um número certo de mortos ou feridos.

Eu, no entanto, não estava prestando atenção em nada daquilo. Não me importava o que ela dizia, mas onde ela dizia.

Eu conhecia aquele prédio. Aquela esquina. Aquele pequeno jardim. Tinha estado lá há poucas horas.

Era a minha casa.

Alguém tinha explodido a minha casa.

Andei até o móvel onde estava a televisão e me ajoelhei no chão quase enfiando o nariz na tela. Tive vontade de rir de desespero. Não é possível. Minha vida é normal. Não é um filme e, se fosse, seria uma daquelas comédias trágicas que você nunca decide se ri ou chora pela mocinha. Definitivamente, não seria um thriller.

Mas lá estavam os restos da minha casa. Espalhados pelo canal 8.

Eu já tinha ouvido falar sobre como algumas pessoas reagem em um momento de sofrimento ou tristeza. Não choram ou não sentem. Seguem como se nada tivesse acontecido, atendo-se aos mais irrelevantes detalhes, até finalmente perceberem o que realmente aconteceu. E então elas sofrem tudo que não sofreram antes.

ꨄ︎ 𝐒𝐄𝐌 𝐕𝐄𝐑𝐆𝐎𝐍𝐇𝐀 ˢᵖʳᵒᵘˢᵉʰᵃʳᵗ Onde histórias criam vida. Descubra agora