Capítulo 1

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Em uma noite no interior do Mato Grosso, uma notícia chegou aos ouvidos da diminuta população de um vilarejo. Entre as grossas florestas que iniciavam a Amazônia, e findavam o pantanal recheado de grilos e insetos a estridularem, percorria o espírito de uma lenda e
uma terrível notícia. A rádio anunciava aos donos de terras em pós-janta, aos capinadores e suas famílias humildes, e aos bandidos foragidos uma história:

"Na manhã deste domingo, três corpos foram encontrados já sem vida próximos ao matagal da fronteira. Ainda não foram identificados, mas o estado vilipendiado em que se encontravam leva a polícia mato-grossense a suspeitar de um possível serial killer. A autoridade adverte que a população evite sair depois das 21h até que a investigação progrida.
E no futebol de ontem..."

Ninguém quer saber do futebol, todos tocam no assunto. Será mais uma onça? Quem sabe um índio hostil? Que homem branco faria isso?

Os índios começam a adotar um comportamento estranho, e eles repassam a todo o povo, pedem para que eles sacrifiquem galinhas, porcos ou até mesmo um pássaro e que derrame o sangue ao solo perto da entrada da cidade. As pessoas perguntam: Por quê?
Onde quer que perguntem, seja quem for o índio, todos eles respondem a mesma coisa. "O monstro está aqui", "O vampiro maldito veio", "É chegado o encourado, cada um que se cuide..."

E o povo fica encucado, é onça, é matuto, é assassino, é vampiro?
Ninguém sai de noite, nem mesmo os fazendeiros que tem a garrucha do lado deles pra ajudar, nem sai pescador, nem médico, e se ficar doente tem que esperar até o sol nascer.

No meio da janta, Ernesto ouve tudo no rádio chiado e bufa irritado. Gole uma dose de cachaça e escarra no chão.

— Tão dizendo por aí, que é vampiro. — Sua meia irmã fala, de pé ao lado dele observando o irmão fazer pouco caso da comida que ela fez com tanto esforço.

— Mané vampiro, Celinha! Deixa de bestagem. Isso daí é mais um maluco da mata. Não custa os patrão acha ele e dá fim.

— Eu que num me arrisco nessas mata pra dar fim em ninguém. Inda que tivesse uma arma.

Ernesto explode em uma risada alta, fazendo a irmã bufar irritada e segurar a vontade de lhe arremessar uma panela.

— Ocê num dá fim nem nas sujeira do caneco! Vai montar a rede que eu tô morto e pare de conversa fiada.

— Se eu não dou fim em nada, pois vá você montar a sua rede, abestalhado!

A irmã mais nova acerta um tapa certeiro no rosto do irmão, fazendo seu chapéu de vaqueiro voar para longe do quintal, e entra pra casa. Ernesto como sempre, dispara a rir sem parar e ignora o destempero de costume da irmã. 

A noite vai ficando mais anoitecida, e logo o rapaz entra e tranca as portas para ir se deitar.
Ele pensa na meia-irmã e em como seu pai foi um desgraçado em morrer e lhe deixar ela pra ele cuidar no auge dos 18 anos, e depois pensa no patrão desgraçado também que não o está deixando folgar nos domingos.

Suas costas ardem com o sol castigador, o lombo dói como se estivesse enferrujado, e tudo o que ele quer é dormir e não ter hora para acordar, como era quando sua mãe estava viva. Mas não, agora ele é um homem, com uma garota de 16 anos pra sustentar em um barraco afogado em dívidas, que foi a única miséria que sua mãe pôde oferecer quando se foi.

Depois de tanto xingar mentalmente todos os motivos da sua labuta, seus olhos pesam, e ele dorme debaixo do calor escaldante de verão.

No meio da madrugada, porém, algo estranho acontece. Os sonhos de leves e insignificantes o suficiente para serem esquecidos assim que ele acordar, de repente começam a se agitar. Batidas fortes borbulham tanto seu sono quanto seus ouvidos, e quando ele escuta bem alto alguém gritando por seu nome, ele acorda pulando rapidamente da rede. Alguma coisa está acontecendo! Se sacode antes mesmo de voltar a ficar consciente. E quando consegue enxergar no meio da escuridão da madrugada, vê a sua irmã sendo arrastada por uma figura enorme a qual ele não consegue distinguir.

O EncouradoOnde histórias criam vida. Descubra agora