Capítulo 10

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O dia amanheceu e Ernesto se levantou cheirando mal como consequência da longa madrugada. Assim que Leonor entrou no quarto para acordá-lo, ele já estava de pé.

— Posso tomar um banho? — Perguntou após cheirar o próprio braço e urgir em uma careta.
Leonor, segurando uma leve risada, assentiu.
Ele paralisou, e olhou para ela de relance como quem começava uma súplica.
— Sozinho? — Levantou as sobrancelhas.

É claro que ele se lembrava do seu último banho, e não nutria bons sentimentos por isso. Ele estava torcendo que nada daquilo acontecesse novamente com ele e, se para isso tivesse que cooperar, então o faria ao máximo.

— Todos se banham sozinhos aqui, mas recém transformados somente com nossa tutela.
"Então não são todos" — Pensou, Ernesto.
— Como? — Leonor perguntou, e ele logo percebeu que resmungou.
— Nada.
Convencida, a moça abriu o mesmo armário da madrugada, e selecionou de lá mais uma muda de roupa.

Ernesto tinha que negociar aquilo, sua privacidade estava em jogo, e ele não queria ter aquela mulher lavando as suas partes contra sua vontade, como momentos antes.
— Eu não acho que tem que ser assim...
Ela se virou pra ele.
— É pra sua segurança. — Ponderou. — E também, porque temos que confiar em você primeiro.
— Vocês pode confiar em mim. — Deu de ombros.
A moça o encarou, o que fez ele se sentir envergonhado. 

— Mesmo? — Um sorriso surgiu no canto da boca.
Era óbvio que ter fingido e alçado uma fuga perigosa dias antes não servia como prova de que ele era uma pessoa confiável, isso tinha de confessar.

— Tem algo que pode fazer a senhora mudar de ideia?
Ele foi encarado por mais algum tempo, estava esperançoso, queria ter seu banho em paz. A moça então suspirou e deu seu ultimato.
— Eu vou te vigiar apenas. — Ernesto sorriu vitorioso ao menos — Mas se mover um músculo fora do lugar... Vai ser banhado até completar sua maior idade vampírica.
— Isto leva quantos anos?
— Cerca de 40.
O rapaz arregalou os olhos.
— Certo, nenhum músculo será remexido.

Leonor riu e seguiu-o até o banheiro, apesar da graça ela não tirou os olhos dele por um segundo sequer, sem ligar pros seus protestos e chiliques de pudor.
Ernesto conseguiu se livrar de seus curativos, uma vez que, incrivelmente, uma cicatriz qualquer já não possuía.

Tomado o banho, Ernesto seguiu para o seu desjejum, que não era o costumeiro pão com manteiga e a caneca com um cafezinho morno, mas sim uma tigela cheia de sangue.
Depois de tomar a terceira tigela, ele limpou a boca com a manga da camisa e confirmou que aquilo era bem melhor do que café, mas não notou que todos a mesa o observavam.

— Devagar...
Miguel aconselhou, e isso chamou a atenção dele: Estava causando um vexame. Quando olhou para o lado, um dos rapazes que seria dito "seu irmão" o encarava com uma concentração imensa, e, devolvendo o olhar, Ernesto viu ódio ali. Ele não pôde se concentrar em mais nada além daquela encarada ameaçadora e encarou de volta mostrando o mesmo desprezo.
O rapaz se ofendeu e apertou o maxilar.

— Se continuar bebendo assim vai acabar com o estoque do verão.
— Tomás... — ralhou Leonor.
Ernesto não saberia explicar, mas aquele olhar ameaçador estava provocando-o, e o comentário aflorou ainda mais os nervos daquele jovem.

 Mateo deu uma risada.
— Pare de blefar, se temos pouco estoque é porque você não sabe caçar como o papai
— Cale-se! — Tomás empurrou o irmão com o ombro. — Eu já caço muito bem, não é, papai?
— Claro... — Miguel bebericou algo dentro de uma caneca de metal. — Moscas e mosquitos caça sim. — Ele completou com um sorriso bobo.

Todos na mesa riram, até mesmo Ernesto deu uma risada provocativa. Tomás se indignou, ainda mais porque viu Ernesto rir da cara dele.
— Ao menos não caço guerra. — Ele resmungou bem baixinho em meio a revolta, mas utilizou de algo que era sua maior técnica: A balbucia — Método usado para gerar uma áurea de dispersão sonora, como uma espécie de câmara oca que ele controlava com o pensamento. Essa técnica só era conhecida pelos vampiros mais experientes, mas Tomás já a possuía, porque era esperto, e aprendeu com os livros.

O EncouradoOnde histórias criam vida. Descubra agora