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                               Xamã

Eu saquei de tudo no momento em que vi o major passar pela porta com uma bolsa assim como tinha feito o Ret, Anna e PK. Eu sei que não tinha jeito com a Maria, que não tinha o que nenhum de nós fazer e isso tá me comendo por dentro. Doendo pra porra saber que vou perder ela de vez. Mesmo depois de tudo que ela fez, ela ainda assim me deu base dos meus 25 anos pra frente. Sempre.
E agora provavelmente morta ou a beira da morte por ter surtado de vez.

Major: vai me dar um abraço não putão? Vai só ficar parado me vendo mermo?- sorri pra ele, um sorriso que entregava que eu já sabia tudo. E o abracei.- eu sinto muito.- sussurrou só pra mim ouvir.

Soltei ele e fui em direção a Ana Bella que me abraçou de lado e eu retribui passando um braço por ela.

Ana: quer conversar?

Xamã: ela tá morta né?- um olhar de pena foi o suficiente pra mim.

Ana: se eles devolverem o corpo, vai ser caixão fechado amanhã às 12. Sinto muito Geizon, sei o que ela significava pra você.

Xamã: é, mas ela escolheu isso.- uma lágrima sozinha correu meu rosto e a Bella entrou na minha frente limpando ela lentamente enquanto parecia memorizar meu rosto.- não precisa ficar assim as coisas entre nós.

Ana: precisamos de um tempo. Pra colocar as coisas no lugar na cabeça e na vida.- sorriu triste.- quem sabe não ficamos assim pra sempre.

Xamã: não quero um tempo.- segurei sua cintura olhando nos olhos já lacrimejando dela.

Ana: eu sei, mas eu não pediria se não fosse o certo a fazer.

Sem respostas eu encostei minha testa na dela e fechei meu olhos sentindo seu cheiro.

...

O choro da Agnes tinha acabado e restou apenas soluços enquanto ela estava entre meus braços e o do major. Mais que qualquer um nessa casa ela sentiu a dor da perda. Agnes era muito nova, Maria era mais mãe dela do que minha e isso era fato.

Xamã: vai ficar tudo bem... Calma.

Fazia tempos que eu estava jogando palavras reconfortantes pelo ar e tudo que eu conseguia era um leve aperto no braço. Todos estavam lá embaixo na piscina esse horário, só o Ret que estava na cozinha pensativo demais. Acho que é culpa por não conseguir fazer nada dessa vez, mas ele não tinha como fazer algo. E tudo bem também, ele ajudou como podia e tá ajudando agora.

Agnes: ela não merecia isso Geizon, não... Ela só precisava de ajuda terapêutica. Ela devia... Eu devia ter ajudado ela.- disse entre choros.

E foi o major quem respondeu ela.

Major: nem todos tem o que merecem ou não merecem Agnes. Você não pode querer ter um pingo de culpa nisso tudo tá? Ninguém tem culpa aqui.- ele apertou ela mais pra si.- eu sinto muito por essa perda que vocês dois estão tendo, eu... Porra tô tão em choque quanto qualquer um, mas eu sei que ninguém dessa casa tem um pingo de culpa. Ninguém.

Agnes fungou e o Ret apareceu, o rosto que ninguém conseguia decifrar nesses momentos. Ele não demonstrava... Nada.
Filipe caminhou em nossa direção, não na nossa mas na da Agnes. Olhando centrado pra ela e ninguém mais existia ali. E parou na nossa frente.

Ret: levanta.

Agnes: o que?

Ret: tá surda Agnes? Levanta!- olhei com fúria pra ele, tá maluco porra?

Eu ia levantar mas seu olhar de aviso me fez parar. Ele tava pronto pra socar qualquer um que falasse merda pra ele e querendo ou não ele tava de boa fé com a Agnes também.

Ret: nós volta em um dia ou dois.

Agnes não disse absolutamente nada quando o Ret pegou ela firme pelo braço e saiu práticamente puxando ela escada a baixo, para os carros.

Major: tem certeza? Agnes é a mais triste mas ele é o que tá mais puto aqui.

Xamã: tô sem certeza das coisas tem 1 semana e meia já major.

Levantei passando a mão pelo rosto e fui pro meu quarto abrindo a porta e trancando logo em seguida.

Então eu simplesmente surtei. Quebrando tudo que tinha a minha volta, tudo! Minhas duas mesas, meu armário, minhas prateleiras com meus livros que algum dia eu amei ler. Minha TV. Até meu guarda roupa foi chutado e socado até às portas cairem. Meu espelho na parede não sobrou nada e o espelho do guarda roupa caiu com tanta força quando dei um soco que fez um arranhão na minha canela e minhas mãos ficaram cortadas.
Quando não sobrou nada, nenhum som, nenhum móvel, nenhuma batida de coração, eu me ajoelhei e fechei meus olhos.

Quando eu era criança, eu tinha o Jack.
Na adolescência, uns amigos e outros que eu fazia em roda ou na escola mesmo.
Adulto? Poucos amigos, mas os que tinha eram fiéis.
Agora? Eu nem sei. Eu tinha a Maria, que me deu base. Eu tinha a Agnes, que no teu primeiro grande vacilo eu fiquei meses sem falar com ela. Eu tinha a Ana Bella, que fizemos uma filha da putagem do caralho um com o outro.
Então o que me restava agora? Tudo? Nada ?
Meu sangue escorria das minhas mãos para as pernas e em seguida para o chão. De fato, nada então.

Destinados > FINALIZADA<Onde histórias criam vida. Descubra agora