Capítulo 9 - Liberto

549 69 17
                                    

A noite foi agitada. Sonhei com muitas coisas, mas só me lembro de uma: Eu estava no cemitério da cidade ao lado do túmulo onde papai seria enterrado. A brisa fria beijava meus cabelos, que voavam lentamente de um lado para outro.

Subitamente percebi que não estava sozinha. Virei-me bruscamente e dei de cara com meu pai.

_ Pai? – minha reação foi abraçá-lo.

Este, entretanto, foi meu grande erro.

Descobri da pior maneira que ele não era feito de carne e osso. Era apenas alma, quase como névoa.

No momento em que o toquei um arrepio percorreu meu corpo e fui lançada ao chão.

_ O-o quê...? – gaguejei.

Não conseguia formular uma frase inteira.

_ Não tenho tempo para explicações, Lucy. – ele me observava atentamente. – Só vim para pedir teu perdão.

_ Mas já o perdoei!

_ Não, não perdoou. No fundo de seu coração você ainda sente raiva. Não partirei em paz se você não me perdoar!

_ Mas... – parei para pensar e realmente ainda sentia um pouco de rancor. Talvez pelo fato dele ter causado a própria morte e por abandonar-me.

Respirei fundo e disse:

_ Pode ir em paz, pai... – o fitei. Sua forma tremeluzia. – Eu o perdôo!

Ele começou a se esvair. Sua silhueta "evaporava" pouco a pouco, indo em direção ao céu. 

_ Obrigada. – sussurrou em minha mente, antes de sumir totalmente. – Eu te amo!

Acordei num sobressalto. Estava encharcada de suor. Olhei para o relógio e ainda eram 3 horas da manhã.

Levantei-me, liguei o ventilador de teto, deitei novamente e sussurrei:

_ Também te amo, pai!

Não me lembro de ter pegado no sono, mas, quando acordei, já eram 9 horas.

_ VOVÓ! – abri a porta e desci correndo as escadas. – VÓ!

Ela estava fazendo café na cozinha.

_ Atrasei-me. – eu arfava.

Engoli um pão quase que inteiro, bebi um copo de leite e disse enquanto, rapidamente, lavava o copo:

_ Vou me trocar.

Vesti um jeans escuro, uma blusa de manga comprida preta e prendi o cabelo em uma única trança que caía pelo ombro direito.

Desci a procura de meus tênis, mas dei de cara com uma dúzia de parentes.

_ Sinto muito! – exclamava um primo enquanto me esmagava num abraço.

_ Ele vai deixar saudades! – dizia uma tia enquanto dava-me tapinhas nas costas.

Todos me olhavam com expressões pouco motivadoras. Estavam sentindo pena de mim!

_ Não sintam pena. – disse a todos. – Por favor!

Meus parentes assentiram. Em seguida, alguns foram atrás de vovó, outros voltaram a ver o noticiário na TV e outros fofocavam sobre a vida alheia.

E eu? Fui à procura de meus tênis.

Às 10 horas todos estavam saindo. Vovó foi na frente e eu fiquei por último com o intuito de fechar a casa.

Quando os cômodos estavam vazios, peguei as chaves, coloquei no bolso da calça e saí à procura de minha avó.

_ Demorou, Lucy. – ela estava encostada na porta do carro batendo o pé seguidas vezes no chão, como quem está nervoso.

_ Desculpe. – balbuciei enquanto era empurrada carro adentro.

Durante todo o caminho fui olhando pela janela. Quando chegamos à capela, abri a porta do veículo lentamente, buscando forças para não desistir.

Por papai eu iria ficar ao lado do caixão todo o tempo! Farei por ele o que não fiz por mamãe.

Desci do carro sozinha, afinal vovó já havia adentrado a capela, e fui caminhando. A brisa que soprava fazia-me arrepiar. Era a mesma brisa de meu sonho, a mesma sensação.

Entrei preparada para ver o caixão, mas mesmo assim, mesmo me sentindo preparada, um choque percorreu meu corpo.

Corri os olhos pela capela e avistei vovó sentada no banco mais próximo ao corpo. Não pensei duas vezes e corri direto a ela. Eu chorava muito! Soluçava de tanta dor. Algumas pessoas estendiam os braços, mas eu ignorava.

Cheguei até minha avó e aconcheguei-me em seu colo.

_ Respire, Lucy! – vovó estava assustada. – Acalme-se!

Até aquele momento eu estava calma, sufocando meus sentimentos, mas não aguentei. Meu corpo tremia.

Depois de alguns segundos de choro contínuo, soluços enlouquecedores e muitas lágrimas, eu estava me sentindo melhor. Um grande alívio enchia meu coração, como se tivesse cuspido toda a tristeza que estava entalada na garganta.

Respirei fundo e levantei os olhos na direção do caixão. O que mais me deixou triste foi o fato de que papai parecia vivo! Aparentava estar apenas dormindo. Eu podia jurar que, a qualquer momento, ele acordaria.

Entretanto, mais triste ainda era saber que esta era apenas uma impressão. Ele realmente havia partido.

Vários parentes se juntaram a meu redor. Levantei-me e estendi os braços à espera dos abraços. Imediatamente eu estava sendo afagada e consolada por dezenas de pessoas.

_ Sinto muito! – um dizia e se afastava.

_ Seja forte! – outro dizia e abria caminho para os próximos.

Quando todos já haviam prestado suas condolências, sentei-me novamente ao lado de vovó.

As lágrimas deram uma trégua, mas o sentimento de perda não abandonava meu coração. Mas não era apenas a tristeza que me incomodava. Eu estava com um pressentimento de que tudo mudaria em minha vida a partir de minha ida a New Jersey. Claro, tudo iria mesmo mudar: casa, escola, costumes, horários... Porém, eu sentia que não era apenas isso.

O enterro foi calmo. O único momento que me descontrolei e desabei em lágrimas, tendo até que sentar por alguns segundos, foi a hora de cobrir o túmulo com a enorme pedra de mármore. Foi neste momento que senti de verdade que nunca mais veria meu pai. Foi aí que caiu a ficha! Tudo havia acabado.

Agora eu iria fazer minhas malas, entrar no carro de vovó e deixar meu passado para trás!

Mal sabia eu que não seria simples assim...

O Ciclo de Sangue - Traçado pelo Destino (livro 01)Onde histórias criam vida. Descubra agora