Realismo afetivo significa ver a relação do casal tal qual ela é, sem distorções nem auto-enganos. É uma percepção direta e objetiva do tipo de intercâmbio que sustento com a pessoa que supostamente amo. Uma auto-observação franca, assertiva e um pouco crua, mas necessária para curar o vínculo ou terminar com ele, se for o caso. Analisar aberta e honestamente o "toma lá, da cá" amoroso é um requisito primordial para aplainar o caminho até uma relação prazerosa do ponto de vista afetivo e psicológico. No entanto, na prática, as pessoas dependentes de relações afetivas perniciosas se esquivam constantemente dos fatos.
Na dependência amorosa, o auto-engano pode adotar qualquer forma. Com a intenção de dominar a pessoa que se diz amar, somos parciais, negamos, justificamos, esquecemos, idealizamos, minimizamos, exageramos, mentimos e alimentamos falsas ilusões. Fazemos qualquer coisa para cultivar a imagem romântica do nosso sonho amoroso. Não interessa que toda a evidência disponível seja contrária, pouco importam as demonstrações e o acúmulo de opiniões contraditórias que os amigos e familiares emitem: a fonte da dependência é intocável, e o aparente amor, irremovível.
P.R. era um homem de 41 anos, separado há oito meses porque a mulher tinha se apaixonado por outro e o havia abandonado com a frieza das mulheres que nunca amaram. Sozinho, bastante deprimido e profundamente ferido, iniciou a típica perseguição de conquista masculina: uma mulher que tomasse conta dele e, além disso, o amasse. Depois de sair com várias pretendentes e de rejeitar as opções que o meio lhe oferecia, decidiu direcionar a sua energia para uma mulher casada, colega do escritório, confidente e terapeuta aplicada. A imperiosa urgência dele para recuperar o status social e, da parte dela, um casamento sofrível fizeram com que rapidamente tecessem planos e projetos de vida futura. Ela iria se separar, ele assumiria satisfeito o papel de marido e de pai postiço das filhas dela.
O entusiasmo do meu paciente chegava à euforia e, às vezes, perigosamente, ao delírio. Encontravam-se até quatro vezes por semana, se falavam por telefone a toda hora e um não podia viver sem o outro. A afinidade era quase completa e incluía senso de humor, valores, sexo desdobrado em orgasmos múltiplos e compatibilidade de sobra nas atividades intelectuais, musicais e culinárias. O casal perfeito. Como, de acordo com a minha experiência profissional, os amantes que têm estado civil diferente não costumam chegar a lugar nenhum, sugeri que P.R. tivesse moderação, prudência e bastante realismo para não se machucar.
Quando um dos dois envolvidos está casado, e o outro plenamente disponível, o que sai perdendo é o segundo. Ainda que o amor costume ser considerado um fator determinante para concretizar um casamento, a falta dele não é vista como motivo necessário e suficiente para desfazer a relação. Dito de outra forma, para que houvesse motivo válido para um divórcio, o marido da amante do meu paciente deveria ter matado alguém, violentado uma criança ou estar morto.
Meu cliente insistia em manter as expectativas. Frases como: "Ela vai se separar na próxima semana" ou "Já temos uma data" se tornaram comuns durante as consultas. No entanto, no último minuto sempre aparecia um "mas". Uma vez, o marido havia entrado em depressão; noutra ocasião, os negócios iam mal e, na última, o sogro agonizava.
Minhas confrontações eram sistemáticas e firmes, mas P.R. não fazia mais do que desculpar as reiteradas dúvidas e retrocessos da sua futura mulher. Por exemplo, se ele dizia: "Ela não pode viver sem mim", e eu respondia: "Parece que também não consegue viver sem o marido", ele reagia com fúria e indignação: "Não é verdade, você não entende!" Nossas consultas eram uma espécie de luta greco-romana na qual cada vez que eu tentava encarar os fatos ele dava um jeito de escapulir mediante desculpas de todo tipo: "Não é tão fácil, ela foi educada por freiras, é a caçula de oito irmãos, o marido não deixa ela se separar, é muito apegada aos filhos, o pai batia nela quando era pequena, foi muito reprimida, é muito ansiosa, se pudesse estaria comigo, a mãe era alcoólatra...", enfim, a lista nunca acabava.
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Amar ou depender?
Fiksi Ilmiah"Amar ou depender?" é um guia para os primeiros passos em direção a uma vida amorosa saudável, plena e feliz. Neste livro, o psicólogo Walter Riso identifica quando uma relação torna-se doentia, conceituando a dependência afetiva e expondo o limite...