Uma das coisas que mais interfere no processo de independência afetiva é o medo do desconhecido. A pessoa dependente de afeto, devido à imaturidade emocional, não costuma se arriscar, porque o risco a incomoda. Jamais colocaria em perigo a sua fonte de prazer e de segurança. Prefere funcionar com a velha premissa dos que temem as mudanças: "Mais vale um mal conhecido do que um bem por conhecer". Enfrentar o novo sempre assusta.
Ancorar-se no passado é a pedra angular de toda dependência afetiva. Agarrar-se à tradição gera a sensação de estar seguro. Tudo é previsível, estável, e sabemos para onde vamos. Não há inovações nem surpresas desagradáveis. Resgatar as raízes e entender de onde viemos é fundamental para qualquer ser humano, mas fazer do costume uma virtude é inaceitável.
Muitos casais entram numa espécie de canibalismo mútuo, em que cada um devora o outro até desaparecerem. Absorvem-se como esponjas interconectadas. Somente enxergam pelos olhos da outra metade da laranja. Uma das minhas pacientes acabava de sair de um namoro de oito anos. O namorado havia decidido terminar porque estava cansado e queria ter novas experiências. Depois de tantos anos, não se sabe o que é pior: terminar ou se casar. Os namoros tipo Matusalém não costumam ter um bom prognóstico. De toda forma, decidiram se separar por um tempo. O verdadeiro problema surgiu quando a jovem teve que enfrentar o desafio de viver sem ele. Haviam estado juntos desde o início da adolescência, e a vida dela havia girado ao redor dele. Durante oito anos, não tinha feito muito mais do que ficar ao lado dele como um fiel escudeiro, ao pé do canhão.
Quase não tinha amigas, nem grupos de referência, vocação, inquietudes, nada. Apenas um trabalho rotineiro do qual simplesmente gostava. Quando chegou ao meu consultório, parecia perplexa, como se tivesse nascido no dia anterior. O namorado havia provido o necessário para sobreviver afetivamente até aquele momento, e agora tocava a ela começar do zero. Seus prazeres eram os mesmos dele, os amigos também, e seus hobbies eram emprestados. Uma tela de cinema em branco. Pela primeira vez, tinha que olhar para si mesma, se questionar e ver o que o mundo tinha para lhe oferecer. Demorou mais de um ano para adquirir o espírito de exploração natural que a maioria das pessoas possui.
Ainda que o namorado nunca tenha voltado, ela foi capaz de trabalhar as suas inquietações e olhar mais além do evidente. Há namoros que atrofiam a capacidade de sentir e adormecem a alma. Quem disse que para estabelecer uma relação de afeto devemos nos encarcerar? De onde vem esta ridícula idéia de que o amor implica estancamento? Por que algumas pessoas, ao se apaixonarem, perdem seus interesses vitais? O amor deve ser castrador? Realmente o vínculo afetivo requer esses sacrifícios? Os preceitos sociais provocaram desastres. Amar não é se anular, mas crescer a dois. Um crescimento no qual as individualidades, longe de se eclipsarem, se destacam.
Querer alguém não significa perder a sensibilidade e se tornar um bicho-preguiça sem maiores interesses do que o trivial. Um de meus pacientes havia "proibido" a mulher de fazer uma especialização na universidade porque, segundo ele, "as mulheres casadas devem ficar em casa com os filhos". O triste não era tanto a absurda exigência do marido, mas a aceitação voluntária da mulher, que me disse: "Devo isso aos meus filhos".
Quando coloquei em dúvida a afirmação, ela respondeu que, se a mãe está totalmente disponível, os filhos são melhor educados. Voltei a expressar minha discordância: "De acordo com esse critério, a maioria dos filhos das mulheres trabalhadoras seria mal-educado, mas não é assim. Conheço mães em tempo integral cujos filhos são totalmente sem rumo.
Sem cair em extremos, acredito que a mãe semipresencial é uma boa opção educativa". Durante algumas consultas, conversamos sobre a possibilidade de ela seguir estudando sem deixar de ser mãe, mas em pouco tempo o marido acrescentou uma nova proibição à lista: não deveria mais ir ao psicólogo.
O princípio da exploração responsável (por "responsável" entendo fazer o que se tem vontade, desde que não cause danos nem para si mesmo, nem para os demais) sustenta que nós, humanos, temos a tendência inata de indagar e de explorar o meio. Somos descobridores natos, indiscretos por natureza. Quando exploramos o mundo com a curiosidade do gato, todos os nossos sentidos são ativados e se entrelaçam para configurar um esquema vivencial. É então que descobrimos que o prazer não está localizado num só ponto, mas disperso e acessível. Eu não estou insinuando que você substitua seu parceiro ou o engane.
A pessoa amada é uma parte importante da minha vida, mas não é a única. Se eu perco a capacidade de indagar, fuçar e me surpreender com outras coisas, ficarei preso na rotina. Ninguém tem o monopólio do bem-estar. Krishnamurti dizia: "Quando se adora um só rio, se nega todos os demais rios; quando você adora uma só árvore ou um só deus, então nega todas as árvores, todos os deuses".
Você pode amar profunda e respeitosamente o seu parceiro e ao mesmo tempo aproveitar uma tarde de sol, tomar sorvete, sair para passear, ir ao cinema, pesquisar sobre seu assunto preferido, assistir a conferências e viajar; enfim, pode seguir sendo um ser humano completo e
normal. Ter um vínculo afetivo não é se enterrar em vida nem reduzir seu hedonismo a uma ou duas horas por dia. Não falo de excluir o outro de forma egoísta, mas de completá-lo. Refiro-me a dispersar o prazer sem deixar de querer a pessoa amada e sem se perder de si mesmo. Hermann Hesse afirmava: "Ele havia amado e havia se encontrado. A maioria, ao contrário, ama para perder-se".
Alguns indivíduos sentem ciúmes quando seus parceiros se divertem sem que eles estejam presentes. Ridículo. Por exemplo, para os machistas típicos é inconcebível que a esposa ou a namorada tenha outras fontes de prazer. Permitem que elas tenham algumas atividades secundárias, contanto que não excedam a franquia. E mais: quando vêem que a mulher encontrou uma vocação passível de se transformar em paixão, se assustam: "Preciso diminuir sua sensibilidade para que não se afaste do meu lado". Amputar a criatividade da pessoa que se "ama" é a estratégia preferida pelos inseguros.
Caso o seu parceiro seja pouco criativo, tente envolvê-lo nas suas atividades; não em todas, mas em algumas delas. Se ele é tenso, conservador, inseguro, travado ou acomodado, sacuda-o. Escandalize-o no bom sentido, coloque-o para dançar no ritmo de uma vida mais inquietante: descabele-o em público, faça-lhe cócegas na missa, impressione-o com um streap tease malfeito ou convide-o para a sua própria festa-surpresa. Ria e encha de amor seu parceiro ou sua parceira, ao menos você vai saber que não é feito de plástico. Mas se mesmo assim tudo seguir imóvel e imutável, não pare. Siga explorando, descobrindo e instigando por conta própria. É possível que, ao vê-la independente e feliz, o chão balance sob os pés dele. Há terremotos produtivos. E, se nada acontecer, pergunte a si mesmo se você realmente está com a pessoa certa.
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Amar ou depender?
Ciencia Ficción"Amar ou depender?" é um guia para os primeiros passos em direção a uma vida amorosa saudável, plena e feliz. Neste livro, o psicólogo Walter Riso identifica quando uma relação torna-se doentia, conceituando a dependência afetiva e expondo o limite...