Frente à solidão, sempre houve posições antagônicas. Os filósofos e os mestres espirituais a defenderam, de capa e espada, como uma oportunidade para fomentar o autoconhecimento. Por exemplo, Cícero dizia: "Nunca estive menos só do que quando estou só". Já os poetas e apaixonados fizeram apologia da adesão afetiva e sublinharam que não há nada melhor do que estar acorrentado a um coração. Nas palavras de Antonio Machado:
Preste atenção: Um coração solitário Não é um coração
O grande poeta espanhol possivelmente não teria passado num teste de dependência, nem teria recomendado este livro.
Para a psicologia clínica, a solidão tem uma faceta boa e outra má. Quando é produto da escolha voluntária, é saudável e ajuda a limpar a mente. Mas se é imposta, pode aniquilar todo vestígio de humanidade a ser resgatada. A solidão imposta é desolação, a escolhida é liberação.
Não é a mesma coisa estar socialmente isolado e estar afetivamente isolado. Das duas, a segunda, ou seja, a carência afetiva é a que mais dói. Essa é a que abre sulcos na alma e a que nos despoja de toda motivação. Ainda que ambas as formas de isolamento gerem depressão, a solidão do desamor é a mãe de todo o apego.
O princípio da autonomia leva, irremediavelmente, ao tema da solidão. De alguma maneira, estar livre é estar só. A pessoa que toma conta de si mesma não requer babás nem guardiões porque não teme a solidão; ela a busca. Por outro lado, para um viciado afetivo, o pior flagelo é o afastamento. Como um monstro de mil cabeças, o exílio físico, psicológico ou afetivo vai se somando ao déficit da vítima. Por exemplo, para os que sofrem de vulnerabilidade ao sofrimento, a solidão é desamparo; para os que precisam de estabilidade, é abandono; para os que carecem de auto-estima, é desamor.
Sem chegar a ser ermitão, a solidão traz várias vantagens. Do ponto de vista psicológico- cognitivo (mental), favorece a auto-observação e é uma oportunidade para conhecer a si mesmo. No silêncio, fazemos contato com o que realmente somos. Do ponto de vista psicológico- emocional, possibilita que os métodos de relaxamento e meditação aumentem sua eficácia. Quando não há ninguém por perto, o organismo se sente mais seguro e concentrado: não há necessidade de aprovação, nem competição, nem críticas. Do ponto de vista psicológico- comportamental, nos induz a largar as muletas, a enfrentar o imponderável e a nos lançarmos no mundo. Não é imprescindível ter companhia afetiva para se sair bem socialmente.
Abraçar a solidão não significa que você deva ficar incomunicável ou isolado do parceiro. As solidões de cada um podem se interconectar. Entre duas pessoas que se amam, o silêncio fala até pelos cotovelos. Seu parceiro pode estar lendo enquanto você ajeita o jardim, ou vice-versa. Cada um com suas coisas. Aparentemente não estão se comunicando, não se falam, não se olham, não se cheiram, não se tocam. Mas não é assim. Há uma troca viva, uma presença compartilhada em que ambas as solidões se unem e se envolvem uma na outra. Rilke o manifestava lindamente:
Nisto consiste o amor: Que duas solidões se protejam Se toquem mutuamente E se cumprimentem.
É disso que se trata o respeito à intimidade. Amar na ponta dos pés para que não haja sobressaltos, e se encontrar nos corredores. Respirar o mesmo ar sem contaminá-lo e compartilhar o amor sem fazê-lo de forma explícita. Splager resume muito bem a idéia central de amar em solidão e ainda assim seguir amando: "Nem todos sabem estar sozinhos com os outros, dividir a solidão. Temos que nos ajudar mutuamente a compreender como ser em nossa solidão para podermos nos relacionar sem dependermos afetivamente um do outro. Podemos ser interdependentes sem sermos dependentes. A nostalgia do solitário é a dependência rechaçada. A solidão é a interdependência compartilhada".
A AUTO-SUFICIÊNCIA E A AUTO-EFICÁCIA COM O TEMPO, MUITAS DAS PESSOAS DEPENDENTES VÃO CONFIGURANDO UM QUADRO DE INUTILIDADE CRÔNICA. UMA MISTURA DE NEGLIGÊNCIA E MEDO DE ERRAR. DE TANTO PEDIR AJUDA, PERDEM A AUTO-EFICÁCIA.
O devastador "não sou capaz" vai se apoderando do dependente até torná-lo cada vez mais incapaz de levar a vida sem supervisão. Atividades tão simples como levar o automóvel à oficina, chamar um eletricista, reservar passagens, chamar um táxi, se transformam no pior dos problemas. Estresse, dor de cabeça e mal-estar. A tolerância às dificuldades fica cada vez mais baixa. Como diz o ditado: "A preguiça é a mãe de todos os vícios".
Assim, lenta e incisivamente, a insegurança frente ao próprio desempenho vai se aprofundando e criando raízes. Como uma bola de neve, a incapacidade arrasa tudo. A tautologia é destrutiva: a dependência me torna inútil, a inutilidade me faz perder a confiança em mim mesmo. Então, procuro depender mais, o que aumenta ainda mais meu sentimento de inutilidade, e assim sucessivamente.
Conheço uma senhora que literalmente deixa de funcionar quando seu marido está viajando. Desconecta-se. O metabolismo dela entra em recesso, e suas funções vitais ficam mais lentas até chegar à apatia total. Há dias em que sequer se levanta da cama.
Seu cuidado pessoal desaparece; não sai, não vai ao cinema, não visita a mãe, não recebe visitas, não vê televisão, não se preocupa com a alimentação; ou seja, não existe. E não é depressão ou saudades pela distância, mas ausência de energia. Como um carro sem gasolina.
Sem a presença do marido, as coisas deixam de ter um sentido motivacional ou sequer de conveniência. Quando surge algum problema, ela não o resolve, espera que ele telefone ou posterga para a volta dele. Nas palavras dela: "Se ele não está, as coisas não são as mesmas... Faço, mas não gosto. Sair para quê? Melhor esperá-lo e sair com ele.
Ainda que possa parecer dependência, vivo para ele e isso não me incomoda". Como um simples anexo ou um pálido reflexo do que poderia ter sido e não foi. Uma deficiente afetiva.
Se você é dessas pessoas que precisam do aval do companheiro até para respirar, deixe de lado o pulmão artificial e libere-se. Desprenda-se dessa incompetência tediosa. Permita que o princípio da autonomia limpe o lixo que você acumulou por culpa do apego.
A independência é o único caminho para recuperar sua auto-eficácia. Sentir-se incapaz é uma das sensações mais destrutivas, mas não fazer nada e resignar-se a viver como um inválido é pior. Ainda que não lhe agrade o esforço, tomar conta de você mesmo fará com que a sua dignidade não naufrague.
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Amar ou depender?
خيال علمي"Amar ou depender?" é um guia para os primeiros passos em direção a uma vida amorosa saudável, plena e feliz. Neste livro, o psicólogo Walter Riso identifica quando uma relação torna-se doentia, conceituando a dependência afetiva e expondo o limite...