Finalmente havíamos chegado. Letícia me acordou com algumas cutucadas irritantes e precisei fazer um grande esforço para não acertar a mão dela com um tapa.
Alonguei um pouco o corpo ao descer do ônibus — passar praticamente a manhã inteira sentada não era lá a melhor experiência — e depois fui para a fila a fim de aguardar minha vez de pegar a mala.
Olhei em volta, notando que o lugar onde ocorreria o retiro era bastante espaçoso e bonito. Foi impossível não imaginar que estava em um filme de fotografia lindíssima. Tinha grama e árvores ao redor da casa, pelo menos até onde meus olhos podiam ver, e um belo jardim margeava o caminho até a residência principal, a qual separava os dormitórios das meninas e dos meninos.
Inspirei o ar adocicado por causa das flores e acabei sorrindo, o ambiente parecia convidar seus visitantes para um verdadeiro descanso. Quase fiquei feliz, mas não muito.
Ao nos aproximarmos de lá pude ver que havia um pátio consideravelmente grande e esse espaço continha mesas compridas com várias cadeiras ao redor, ao fundo, uma porta com uma placa indicando a cozinha, resumindo, era o refeitório.
— Certo, agora que todos estão aqui, vocês podem ir para os quartos — anunciou o mesmo homem que estava na frente da igreja organizando a fila, o qual descobri se chamar Paulo e ser o líder dos jovens. — Tem uma lista na porta de cada alojamento onde estão os nomes de cada grupo que ficará no cômodo, tanto para as meninas, quanto para os meninos. Garotas para a direita e garotos para a esquerda, não quero nem sonhar em ver meninos nos dormitórios das meninas ou vice e versa, entenderam? — Lançou um olhar sério o suficiente para que a mensagem se gravasse nas nossas mentes, assentimos de imediato. — Ótimo, agora estão liberados, pessoal.
Segui para a direita e comecei a procurar meu nome.
— Aqui, Tinie! — Letícia acenou. — Estamos no mesmo quarto!
Respirei fundo, forçando um sorriso, não por causa da Letícia, ela parecia ser legal, mas sim por certo medo de não me dar bem naquele lugar.
Entramos no quarto onde duas garotas já estavam se acomodando em um dos beliches.
— Eu fico com a de baixo, beleza? — Letícia colocou sua mala em cima da cama do beliche vago.
— Tudo bem. — Dei de ombros, subindo na cama de cima com a ajuda da escada.
Não era tão alto e de qualquer forma eu sempre preferia a cama de cima, essa era a graça de um beliche, não é?
— Tinie, eu e algumas amigas vamos dar uma volta pelo lugar, pra conhecer e tal, vem com a gente? — ela perguntou enquanto digitava algo no celular.
Queria responder um "não" direto, mas percebi que poderia soar um tanto mal educada, então resolvi dar uma desculpa real.
— Tenho que ligar pra minha mãe, a gente se vê depois. — Saquei meu celular do bolso e ela assentiu, me olhando rapidamente com um sorriso compreensivo.
Procurei o número da minha mãe na lista de contatos e liguei. Não demorou nem dois toques para ela atender e me bombardear com perguntas sobre a viagem e o lugar. Respondi uma por uma, a certificando que estava tudo bem comigo.
Depois de uma rápida descrição de todo o pouco que eu tinha visto do lugar, ela cessou as indagações.
— Certo, agora desliga esse celular e vai se divertir, explorar e essas atividades de primeiro dia de retiro. Ah, e não deixa as coisas espalhadas pelo quarto, entendeu?
— Viu, mainha. Tchau. — Desliguei assim que ela respondeu.
Ao invés de seguir o conselho dela, permaneci no quarto vazio, encarando as paredes brancas enquanto apertava a beirada do colchão com as mãos, pensando em que buraco eu tinha me metido. Com certeza um de total isolamento.
Fiz o que todo mundo faz quando está entediado, comecei a rolar incessantemente o feed de todas as minhas redes sociais, invejando meus contatos que postavam alguma foto se divertindo.
Mas o que mais me doeu foi ver uma foto de Keila, minha melhor amiga na antiga cidade, super contente com suas novas companhias. Era um fato, eu não faria falta. Ela nem fez o esforço de me mandar uma mensagem desejando boa viagem.
Suspirei, deixando o celular de lado e me conformando com a solidão.
Fantasiei o cenário em que queria estar, porém do qual fui arrancada contra minha vontade: a comodidade da minha cama, o refúgio do meu quarto e o paraíso dos meus livros.
Era muito melhor estar mergulhada em aventuras fictícias ao invés de estar enfurnada em um quarto, num acampamento recheado de gente desconhecida e tentando não surtar.
Entediada demais, resolvi que aquela seria minha saída. Peguei o livro que tinha começado no ônibus e me joguei de costas na cama, mergulhando em outra realidade.
Algumas horas depois, batidas na porta logo me puxaram dos reinos fantásticos para o mundo real, outra vez.
Sentei na cama, virando em direção à saída e me surpreendendo ao ver uma mulher, e não uma adolescente, como esperava. Ela me lembrou minha mãe. Deveria ter uns quarenta anos, pele parda, cabelos lisos escuros e um sorriso gentil que, por esse motivo, me fez retribuir.
— Tá tudo bem por aqui? — Entrou no cômodo, olhando a leve bagunça feita pelas meninas.
— Sim.
— E por que não está passeando por aí? O lugar é uma graça, aposto que tem uns cantos muito bonitos pra fotografar ou só apreciar mesmo. — Sondou minhas expressões com interesse.
— Ah, eu... — Desviei a atenção para meus tênis, procurando uma desculpa, mas não achei. — É que eu não conheço ninguém.
— Oxe! E acha que vai conhecer enfurnada aqui dentro? — Riu, balançando a cabeça para os lados. — Vem, vou te ajudar a se enturmar.
Arqueei as sobrancelhas, não gostando nada da ideia de alguém me empurrando para os grupos obviamente já formados.
— Não precisa, vou ficar por aqui mesmo. — Forcei um sorriso.
— E o que acha de ajudar na arrumação para o culto? Vai começar daqui a pouco.
Bom, aquela não parecia uma tarefa ruim.
— Ajudo sim. — Sorri, descendo da cama.
A mulher caminhou em direção à porta e eu a segui.
— Ah, meu nome é Soraia. — Esticou o canto dos lábios.
— Eu sou a Clementine.
Caminhamos em silêncio por um tempo, até ela voltar a falar.
— Sabe, não tenha medo de se arriscar um pouco, querida, aproveite esse tempo para fazer bons amigos. Eles são joias preciosas nesse mundo difícil.
Refleti nas palavras de Soraia. Fazer amigos parecia um sonho, só que daqueles bem malucos e impossíveis, sabe?
Queria conseguir ser desenvolta o bastante para isso, mas em toda minha vida nunca fui do tipo cheia de amigos, extrovertida e boa de papo. Meu ciclo social extrafamiliar era composto por uma amiga, porém vocês já sabem o que aconteceu, sendo assim, restou um total de zero na minha conta.
Acabei esboçando um sorriso de incredulidade. Eu? Fazendo "amizades preciosas"? Até parece!
— Gustavo, pode vir aqui? — A fala da mulher me tirou dos devaneios.
Olhei na mesma direção que ela, vendo o ladrãozinho do ônibus caminhando até nós.
❁❥❁
Oi! Gostaram do capítulo?
Nossa Tinie não é lá muito aberta à novidades, né? O que será que vai ser dela nesse retiro? 👀
E parece que tem alguém ressurgindo nessa história... marquem seus bancos kkkkk
Até o próximo capítulo, gente!
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Tinie e o retiro de verão (LIVRO 1)
SpiritualVocê já teve medo? Clementine tem 15 anos e sente isso com frequência, principalmente depois de se mudar com os pais para Serra Brilhante - BA. Tudo piora quando sua mãe faz o favor de mandá-la ao retiro de verão da nova igreja - onde ela não conh...