Em criança, gostava de ouvir histórias contadas por meu avô. Todas assustadoras. De perder o sono. Aliás, por falar nisso, quase todo fim de tarde, vovô passava lá em casa, só pra me ajudar a "achar o sono". À época, mamãe fazia crítica. Não fosse vovô Geraldo eu não dormia. Não fosse suas histórias eu não perdia o sono, também.
Daí, de tardezinha, quando passava lá em casa, vovô, logo, logo, me abancava no berço. E de todas e tantas e muitas e outras fábulas, me contava a história da Cuca, prima do Saci-Pererê. Dizia que ela era uma velha nariguda, dentuça e feia. Tinha cara de jacaré, garras de gavião e poderes mágicos. E que toda criança que perdesse o sono, mais cedo ou mais tarde, no raiar ou no tardar do dia, a Cuca ia pegar.
E quando pegasse, ai, ai, ai, ai, ai, ela jogaria a criança no caldeirão quente fervendo para derreter de uma vezada só, feito toucinho de barriga. E daí, não era pra facilitar, não! A Cuca era andeja. E só dormia uma noite, a cada sete dias.
E acrescentava: "fiquei sabendo, Coquinho, que ela andou por aqui hoje, nas beirinhas da Água Limpa. E está, justamente, à procura de criança que vive perdendo sono".
Dizem que na horinha eu fechava os olhinhos e dormia, "feito um anjo". E desperdia o sono, rapidinho.
Não fosse o vovô e suas histórias...
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NARCISO CEGO
Short StoryNARCISO CEGO: NÃO HÁ ESPELHO QUE NOS TIRE DE NÓS MESMOS É um livro de contos miúdos, de prosa fiada e tecida na roça. Tem cheiro de mato, flor de laranjeira, capoeira e mata nativa. Tem gosto de pasto, arado de terra, vara de pesca, barro, lagoa, r...