Chovia muito naquela quarta-feira, 4 de dezembro de 1963. Em casa, estávamos meus irmãos, minha mãe e eu. Lá fora, meu pai e a chuva forte. Raios, trovão, rajadas de vento e granizo. Mamãe acendeu velas para Santa Bárbara. Mas rogava proteção de Iansã, "a mãe do céu rosado". Segundo informações oficiais, "reinava calma em todo o país, com as populações voltadas para suas atividades cotidianas".
Contudo, com um tiro no peito, um senador matou outro senador, dentro do senado federal. Extraordinariamente, meu pai fora convocado a ficar lá fora debaixo de chuva, "em rigorosa prontidão". Deitava muita água naquela quarta-feira. Mas Santa Bárbara, "mãe do entardecer", estava "tomando as providências indispensáveis à manutenção da ordem".
Os tempos cheiravam a "chumbo", rajadas de vento, raios e trovão. E foi naquele dia 4 de dezembro de 1963, em pleno temporal, que a mãe nos disse que a Cegonha iria nos trazer uma criança. Meus irmãos e eu, queríamos saber onde a Cegonha morava. E que criança era essa. Mamãe disse que ninguém sabia. E que a criança era escolhida por Deus.
No entanto, cinco meses depois, sem dar as caras, a Cegonha e o Doutor João Gaudêncio trouxeram nossa irmãzinha. Meu pai sempre quis ter uma menina. Lembro-me que nesse dia, com um sorriso plantado nos olhos, ele e minha mãe comeram canja de galinha, enquanto minha irmã dormia preguiçosamente pertinho deles.
No outro dia, de manhã bem cedo, ao contrário dos meninos da sua mãe, nossa irmãzinha acordou. E descobriu, olhos arregalados, o dia orvalhado de Sol. Olhou, olhou, olhou, abriu a boca, bocejou, fechou os olhinhos e dormiu de novo, assim que nós acordamos.
Nós, "os meninos da Célia", só queríamos descobrir uma coisa:
- Aonde a Cegonha encontrou uma menina tão dorminhoca assim?
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NARCISO CEGO
Short StoryNARCISO CEGO: NÃO HÁ ESPELHO QUE NOS TIRE DE NÓS MESMOS É um livro de contos miúdos, de prosa fiada e tecida na roça. Tem cheiro de mato, flor de laranjeira, capoeira e mata nativa. Tem gosto de pasto, arado de terra, vara de pesca, barro, lagoa, r...