De pretos e pardos espera-se certa "vocação" para o trabalho braçal e uma "tendência natural" para a violência.
Aprendi isso muito cedo, aos oito anos de idade. Quando, em sala de aula, dois meninos se viraram pra trás e gritaram, me olhando nos olhos: "tiziu!"; "joão-de-barro!". E completaram: "preto tem de amassar barro!" E, claro, eu revidei a ofensa. Chutei a canela de cada um, e dei cocos estalados na cabeça deles.
Daí, a confusão começou. A professora tinha ido buscar papel almaço na diretoria para a ditado de sexta-feira. Assim que chegou na sua turma, em companhia da diretora, corremos todos para nossas carteiras e ficamos em silêncio. Daí ela perguntou: "Quem começou essa confusão!?" Total silêncio. Novamente a pergunta foi feita, mas agora pela diretora. E os italianos que me chamaram de "tiziu!" e de "joão-de-barro!" disseram que, do nada, eu saí do lugar, chutei e dei cocos de estalos na cabeça deles. E completaram: "... parece doido!"
A professora disse não acreditar naquela história. Mas a diretora argumentou que esses pardinhos eram assim mesmo, naturalmente violentos. Fiquei o resto do dia atrás da porta, plantado na lixeira, olhando para as paredes. E perdi a avaliação. Tudo isso porque eu era a criança que mais gostava e se saia muito bem nos ditados das palavras. E aqueles dois achavam desaforo! um "joão-de-barro" e "tiziu" se sair melhor que eles.
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NARCISO CEGO
Short StoryNARCISO CEGO: NÃO HÁ ESPELHO QUE NOS TIRE DE NÓS MESMOS É um livro de contos miúdos, de prosa fiada e tecida na roça. Tem cheiro de mato, flor de laranjeira, capoeira e mata nativa. Tem gosto de pasto, arado de terra, vara de pesca, barro, lagoa, r...