Antônimos

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Quando o amor realmente surge? Nos primeiros minutos ou na primeira década? As pessoas costumam dizer que o amor só pode existir depois de um tempo. Eu, ao contrário da maioria, acredito que ele possa surgir num instante de segundo; o resto é maturação.


Tzuyu despertou com o som mínimo do vento escapando pela fresta da janela, excesso de sono e braços vazios. Não demorou muito para que encontrasse a pessoa com quem compartilhou uma noite de carícias e conversas.

Um breve espreguiçar antes de deslizar para fora do móvel azul e se sentar logo atrás da mulher distraída no chão, encostando o rosto na maciez da blusa que ela vestia e descansando lá. Àquela altura, cumprimentos como 'bom dia' ou um típico 'olá' eram meras formalidades, palavras demasiado saturadas para iniciar uma interação. Elas não precisavam disso, não mais. Com o corpo inclinado para trás, permitiu que a energia distante da estrela amarela escorresse pela mesma janela que soprava a corrente de ar gelado, aquecendo e iluminando.

Percebeu um livro no colo de Sana assim que decidira a envolver num abraço, reparando nas margens desgastadas em consequência do abandono no sótão empoeirado. Havia o fechado assim que a aproximação da morena foi anunciada pelo rangido da madeira conforme os passos eram dados, como se a ansiedade pelo encontro fosse forte demais para que se concentrasse em qualquer coisa que não fosse a chegada da taiwanesa.

- Queria que acordasse comigo, nos meus braços. - murmura, não verdadeiramente irritada ou magoada, apenas um desejo expresso em voz alta. 

O sorriso fraco de Sana se forma enquanto a astúcia no olhar entrega toda a consideração que sentia para com a mais nova. Ela pensava que, um dia, se pudesse ser aceita com sua história coberta de espinhos, tudo o que tinha vivido valeria a pena.

- Eu também quero, acredite em mim. - responde, capturando a mão em repouso da taiwanesa e a trazendo para si. Os dedos estavam quase frios, mas Sana encostou os lábios em cada uma das pontas com demora tornando o mais explícito que podia o carinho que sentia - Você sabe quando isso vai acontecer.

O cheiro de pêssegos, o veludo da voz, a maneira com que seu corpo reagia aos estímulos e provocações... esses detalhes estavam se fixando com maior facilidade em frente à melancolia da partida. Parece que há uma tendência da tristeza nos fazer lembrar melhor das coisas, eu acho, como se os fins glorificassem o passado e o presente de alguma forma, mas nunca o futuro; ele estava fadado a nostalgia e saudades.

- Quando a ternura for a única regra da manhã. - em meio à desordem habitual de batimentos em seu peito causada somente com a proximidade, ela se recorda da frase dita na porta de um quarto qualquer  - Eu não entendo, Sana...

- Não precisa, não agora. - suspira, voltando a face para encarar a profundidade secreta dos seus olhos preferidos - Só confie em mim, tudo bem?

- Eu confio. - rebate com firmeza o suficiente para ser interpretada de outra forma.

- Preciso que confie mais.

Algo na feição de Sana fez com que cessassem os questionamentos. Ela parecia determinada, mas triste e insegura ao mesmo tempo, e aquilo não fazia sentido para Tzuyu, na verdade, chegava a causar uma pontada de irritação. Sentia-se por fora, excluída do que a dizia respeito da mesma forma que seus pais faziam.

- Por que diz essas coisas? - pergunta deliberadamente, a mirada séria sobre a mais velha apesar do tom calmo; procurava conversar, não discutir. - Faz com que eu me sinta fora de alguma coisa importante como se... como se eu não merecesse saber. Eu confio em você, absolutamente, mas preciso que confie em mim de volta, deveria ser recíproco.

OrfeuOnde histórias criam vida. Descubra agora