O óbvio também precisa ser dito

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A vida não deve ser encarada como um peso, nem como um fardo. Em certos momentos, ela pode ter um sabor amargo e insalubre, mas não é isso que deve apagar seus sonhos. Somente você pode determinar se acredita ou não, se luta ou não, e assim que tiver sua resposta o caminho à sua frente estará esclarecido; continue nele ou escolha outro. Simples, não?


Ficar na cama não é o melhor jeito de resolver problemas - considerando uma escala quantitativa, é claro, nem pense em termos de qualidade -, mas é a forma que encontramos quando estamos cansados demais para tentar resolver direito. Ou só quando a procrastinação fala mais alto mesmo, muita gente acaba cedendo a isso. Como estamos falando de Sana, é importante que o leitor saiba que ela nunca procrastina. Não procrastinou nem mesmo quando era a filha preferida de um ricaço da grande mídia e não pretendia começar agora aos vinte e tantos anos. Então, se ela estava deitada numa cama por horas e horas quando tinha de entregar currículos e atender a entrevistas de emprego por aí, algo muito sério tinha acontecido; geralmente, uma crise de ansiedade. Ou de pânico, quem sabe? Ela não era a terapeuta da história, só sentia o que não queria sentir e ponto. Seus traumas estavam enraizados até lá no fundo e o responsável por eles nunca iria mover um dedo para ajudar. Mais fácil a empurrar para um precipício emocional, aliás. Era a intenção dele, não era? Sempre foi desde que ela se revelou lésbica e o acidente que a amaldiçoou aconteceu. Passou-se um longo tempo até que ela deixasse de se culpar tanto, mas, quando sua cabeça estava ruim, ainda se questionava se o pai não estava certo. 

Foi por causa dela. Tudo ainda estaria no lugar se tivesse mantido seus sentimentos em segredo. Continuariam uma família feliz, mesmo que de fachada, mas uma família unida e completa

Tinha ido embora para outro país quase que por desespero ao contrário do que a maioria ficou pensando quando ela arrumou as malas e partiu para a Coréia. Em seu sentido mais amplo, uma refugiada. Já devia se autointitular doença da família ou continuar trabalhando para fingir que não?

- Está com cara de quem anda pensando besteira. - deitada a poucos centímetros de si, sua irmãzinha acaricia os fios espelhados em ouro sem se preocupar com horário ou malas prontas. 

- Pensando no quão vergonhoso sair do aeroporto sendo carregada como uma criança, talvez? - usa um sorriso para disfarçar a humilhação que insiste em a perseguir onde quer que vá. Sua maneira mais sutil de esconder o que realmente acontece dentro de si. Funciona, quase sempre. 

O péssimo hábito de Mina de confrontá-la em todas as situações que requeriam uma dona da razão havia sido posto de lado para a surpresa das duas. Nada de caretas indignadas ou reclamações, só Mina trocando de posição na cama para uma mais confortável, os olhos fixados no lençol esverdeado enquanto se perdia nos próprios pensamentos. Deveria ser isso, cada uma no seu mundinho refletindo sobre o acontecido ou apenas... não sei, buscando uma distração para dar uma folga de toda aquela tensão e estresse. 

Sana ter visto as provas que o ex-marido usaria contra o pai num tribunal devia ter sido feito num processo lento, por etapas, e não dado de bandeja como se a arma que o velho desgraçado usou para rasgar a perna da própria filha pudesse ser interpretada numa análise metódica pela vítima. Foi uma precipitação de Mina, ela sabia que seria ela a verificar as provas de qualquer forma, mas não tinha ideia de que estariam tão acessíveis quanto os outros documentos que passaram vastos minutos assinando. Apanhou os papéis pensando ser qualquer detalhe esquecido por Osamu, o que não deixou de ser verdade. Descuido de um, persistência de outro, caos em alguém que não merecia mais sofrimento na vida.

- Você não foi carregada. - a voz de Mina é um murmúrio, o traço de teimosia não escapando do ouvido atento da mais velha - Ofereci meu braço como apoio da mesma maneira que faço desde que me tornei forte o suficiente para te aguentar nas suas piores invenções. Aos oito anos, para ser mais específica, e melhor aos doze, quando tínhamos a mesma altura e eu entrei no time de vôlei. 

OrfeuOnde histórias criam vida. Descubra agora