Reflexão dos porquês

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Olá, leitores cheirosos e incríveis!

Passando para avisar que a sinalização para iniciar a música tema do capítulo está inserida no texto. Bom proveito!

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Se você fosse apenas a ilusão de uma juventude atormentada pelas amarguras da vida; se o que tivéssemos tido não fosse nada além de milésimos de um sonho secreto, cada segundo teria sido tão precioso quanto pois fui feliz e não sabia.

Já tinha escurecido quando ela atravessou a rua e pegou o caminho úmido entre uma loja de doces e outra, cercando-se de solidão enquanto recolhia para dentro de si suas inseguranças. A noite estava mais fria com flocos de neve engrossando a camada branca por onde caminhava e repelindo as pessoas das ruas, então qualquer preocupação acerca de olhares curiosos poderia ser deixada de lado. Não gostava de dar pretexto para aproximações do tipo, não gostava de ser alguém a precisar de ajuda. Dentre tudo o que aprendera durante a vida, o maior ensinamento que guardou consigo se definia em uma palavra: tempo. Se tivesse algum tempo para lidar com o problema, as coisas ficariam bem.

Ainda se sentia inconformada pela maneira com que foram tratados na delegacia e em como o descaso alheio complicara um caso tão simples criado por dois bêbados. Sim, é ótimo que não tenham sido expulsos do país, mas esse detalhe não anulava o que sofreram enquanto esperavam por horas uma resposta. Aquilo tinha sido humilhante demais, errado o suficiente para que tomassem uma ação contra aquelas pessoas e esperassem que a justiça ocorresse de fato, mas, por decisão da maioria, acabaram por se desfazer dessa possibilidade mesmo depois de terem sido praticamente obrigados a um "pedido de desculpas em prol do bem-estar coletivo da comunidade coreana".

Foi por essa razão que tinha decidido voltar para o hotel sozinha, livre de mais vozes que já haviam em sua cabeça. Com dois ou três de seus colegas preferindo dormir para esquecer e outros bebendo com o mesmo propósito, Tzuyu não achou que sua disposição interferiria realmente nos planos deles. Só precisava de algumas voltas para esfriar a cabeça antes de entrar em seu quarto e estaria pronta para o dia seguinte.

O dia seguinte.

- Droga... - com os pés estacados no chão, a data de volta para casa acendendo como um letreiro mental indesejado, e então ela suspira.

Quando decidira ir com Sicheng para, segundo ele, a viagem mais interessante de sua vida, a única coisa que realmente importava era voltar para casa e seguir com sua agenda cheia, o que poderia ser listado em estudar o máximo que podia, arrumar um estágio decente e manter a boa reputação da família. Agora, no entanto, ansiava por continuar afastada de casa por mais algum tempo e isso não tinha nada a ver com férias ou aventuras esporádicas promovidas em maior parte pelo melhor amigo.

Tempo.

Tempo é algo que Tzuyu costumava contar de maneira metódica, algo orientado para a produção e o melhor uso no sentido mais capitalista da palavra. Se ao final do dia tivesse atingido suas metas, ótimo, mas se pudesse cobrir o dobro delas, melhor ainda. Tinha noção de que mecanizava seu corpo e, sendo extrema, talvez a sua vida, e sabia que isso fora internalizado dentro de si desde muito cedo. Apesar de Sandara, a governanta, e dos poucos amigos que cultivara tentarem trazer um pouco de leveza para o seu dia a dia, a taiwanesa nunca deixou de pensar de uma forma exigente. Diminuía o ritmo nos poucos dias de folga e buscava passatempos aleatórios para evitar a revolução das máquinas em seu pequeno mundo, e apenas isso. Quando aceitou a proposta de Sana de um dia sem horas, sentiu uma relutância surgir, ainda que minimizada pela paz que a japonesa invocava em seu interior, sabendo que aquela ideia a deixaria ansiosa em algum momento, e estava certa.

OrfeuOnde histórias criam vida. Descubra agora