Coréia 1 x 1 Japão

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Deu um passo para trás, incerta, tentando visualizar qual a melhor disposição para os objetos à mesa enquanto prestava atenção no movimento ao seu redor. Para a maioria das pessoas, estar em um ambiente desconhecido é um estressor por natureza, então, achar uma forma de amenizar o impacto da mudança pode ser a melhor coisa a se fazer - mesmo que isso seja organizar um estojo de canetinhas e folhas sem pauta por minutos seguidos.

- Isso não está certo…

- É só papelaria espalhada, Dahyun. - murmura em resposta, não muito surpresa com as mãos da amiga estarem nos quadris.

- Errado, são ferramentas de trabalho que podem ajudar ou atrapalhar um dia produtivo. - inclinando a cabeça para o lado, Dahyun não parece muito à vontade com as canetinhas deslizando ladeirinha abaixo porque o ângulo da mesa é demasiado agudo, o designer responsável deveria ter esquecido a importância de praticidade num projeto.

- Sou eu que vou ficar aqui no final das contas, não é?

Dahyun respirou fundo, assentindo com a cabeça e desviando os olhos antes que seu transtorno obsessivo-compulsivo atacasse em pleno expediente. Tinha melhorado consideravelmente nos últimos meses, passado menos tempo na missão implacável de endireitar o mundo, mas certas decisões criativas conseguiam causar uma perturbação bem inconveniente em sua cabeça. Ainda não entendia por completo a origem daquilo tudo e nem sabia se queria, alguns mistérios precisam permanecer ocultos antes que um estrago maior seja feito.

- Você está certa, japinha, você está certa… - Dahyun suspira, torce o nariz e encara o lustre balançando de um lado para o outro naquela sala refrigerada porque algum desastrado tinha esbarrado os chifres nele.

Não restava muito tempo até que a Kim decidisse ajeitar o lustre meio torto. Sabia que o pessoal da mesa de gerência de imagem, onde Dahyun atuava, logo daria uma arrumada naquele infortúnio antes que a ansiedade da colega fosse aos ares. Por isso, a japonesa tratou de tomar frente e inventar qualquer desculpa que impedisse o temível transtorno de pior se manifestar.

Aparentemente, uma entidade cósmica se atentou às preces internas e, assim, Sana avistou o garoto loiro que dera o seu empurrãozinho de incentivo se aproximar enquanto caminhava ao lado de uma morena de mesma estatura, a gravata frouxa e os tênis amarelados entregando o desleixo no guarda-roupa.

Era a distração ideal.

- Hyun, quem é ele? - a pergunta sai com um quê de curiosidade que desfaz a expressão ansiosa da coreana, interesse substituindo desconforto, e imediatamente concentra todo o foco numa mesma direção, a preocupação anterior sendo esquecida.

Dahyun era alguém que costumava demorar um pouco para atender aos chamados, sobretudo quando sua fixação por ordem e organização era atiçada e ela mal conseguia se segurar. A maneira com que a mulher abandonou um foco por outro fez brotar um questionamento na mente de Sana que sentiu alguma coisa diferente, fora do lugar e até mesmo errada em certo ponto. Teria que apurar numa próxima oportunidade uma vez que a Kim já identificara o assunto da conversa.

Estagiários costumam ser abusados por onde quer vão e aquela empresa não fazia parte da exceção, apenas… fazia de um jeito diferente. Super explorado, mas bem remunerado. Como todos ali, a satisfação de receber um salário justo com benefícios agradáveis conseguia amaciar até o mais crítico ferrenho das exigências impossíveis de grandes empresas. Sana percebeu isso quando leu as páginas verdinhas do contrato enviado uma semana atrás, embora ela estivesse surtando apenas com a ideia de ver a pessoa que provavelmente a odiava com mais frequência que deveria.

A recíproca não era verdadeira, mas similar. Os sentimentos controversos que batiam de frente com as memórias enterradas foram todos postos para fora no instante em que o reencontro aconteceu. Sentia saudade e remorso; atração e rancor; medo e desejo e uma infinidade de sentimentos a mais que não precisava citar, mas cada um fluía desordenado por suas veias como um rio turbulento e perigoso do qual ela fugia para não se afogar, um conjunto caótico que só conseguia ser tratado através da rejeição; mesmo que fosse preciso, inevitavelmente, negar a si mesma.

OrfeuOnde histórias criam vida. Descubra agora