Capítulo 8 - Vida

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Recado: Se encontrar algum erro, por favor, avise nos comentários. Agradeço.



Eu tinha um segredo tão belo que o guardaria pela eternidade. Após aquela noite, ansiei pela próxima, porém o anjo não apareceu. De repente, tive a impressão de que sonhei com tudo, era plausível pensar nisso enquanto a aula se arrastava. Eu adorava aquela matéria, mas meu interesse estava longe demais, não registrei nada no caderno nem no cérebro.

Saí da sala encontrando Julia conversando com o professor de Rascunhos em Aquarela. Sua pose debochada não parecia em nada com a sedução premeditada por Laura. O professor gesticulava de maneira formal, parecia querer muito convencer Julia a ouvir o que ele tinha a dizer. Ela me viu e decidiu deixá-lo em um monólogo quebrado vindo em minha direção. O professor não se contentou em ser ignorado.

— Julia.

— Termina seu discurso em casa. – ela falou e logo alcançou meu braço para me puxar. Aceitei ser levada até o pátio formulando meus questionamentos.

— Em casa?

— Você tem madrasta?

— Não... meu pai nunca se casou.

— Pois eu tenho um padrasto.

Demorei a assimilar.

— O professor...?

— Sim, Alice. E você achava que eu queria beijar ele, que nojo.

— Laura achava, mas era brincadeira.

— Você não acha estranho essas coisas?

— O que?

— As famílias. Quantas pessoas você conhece que moram com os pais? E se tem os dois, um não é biológico.

— Nunca pensei nisso, casais homossexuais não tem como os dois serem biológicos.

— Exatamente.

— Ainda não entendi onde quer chegar.

— Casais compostos por um homem e uma mulher são minoria.

Eu não prestava atenção no mundo para saber como as famílias eram constituídas, eu tinha dores de cabeça maiores para me preocupar. Não me recordava de muitos exemplos, mas me entristecia ao pensar que Alec perdeu o pai biológico muito cedo e pouco mais tarde a mãe.

— Os anjos não querem que a população humana aumente. – Julia concluiu.

— E o que você acha que eles fazem pra impedir?

— Está óbvio, Alice. Eles dão um sumiço em uma pessoa do casal.

Não queria que a teoria de Julia fizesse tanto sentido em nossa sociedade, principalmente com o que meu pai revelou sobre minha mãe. Aparentemente, eles não calculavam direito quando deveria ser a separação.

Passando pelo portão da escola, vi meu pai chegando com o carro do outro lado da rua, mas não vi direito onde ele estacionara, pois um motociclista parou na minha frente. Alec tamborilou os dedos do capacete em seu colo, parecendo bastante indeciso com suas palavras.

— Oi... – falei.

— Você está bem?

— Sim...? Por quê? – ele ficou olhando os reflexos no capacete, talvez eu ficasse menos estranha oblíqua e invertida.

— Eu tinha visto uma ambulância na frente da sua casa.

— Tive outra convulsão. – nunca vi problema em falar para as pessoas, se alguém sentisse pena ou ficasse espantado era um direito delas, só não queria que me dissessem. Aliás, eu sabia muitos segredos dele para não contar minhas recaídas.

— Isso é comum?

— Já aconteceu algumas vezes... tive até que parar de vir pra escola por um tempo.

— É estresse?

— Ninguém sabe a causa...

— Confinamento. – sugeriu, porém deixando sua certeza explícita. Revirei os olhos. – Vem tomar um vento no rosto. – ele apontou para trás da motocicleta com a cabeça.

— Meu pai já chegou. – Alec olhou para o outro lado da rua.

— Tudo bem.

— Você está vindo todos os dias?

— Três dias por semana, aulas de História são extensas.

— Volto com você nesses dias então.

— Ok.

Dei um beijo na bochecha de meu pai quando entrei em seu carro. Seu rosto pareceu tentar esconder algumas olheiras com o sorriso.

— Alec queria me levar pra casa.

— Pode ir com ele quando quiser.

— Porque você confia nele? – perguntei em voz alta algo que eu indagava sozinha.

— Conheço ele desde que vocês eram crianças, ele não pode ter virado um marginal, pode?

Dei um riso. Ele apenas se tornou um vândalo de estátuas angelicais.

— Pai... você acha que os anjos não querem que a gente cresça como população?

— De onde tirou isso, Alice?

— A Julia me fez refletir... as famílias são muito fragmentadas... E se a gente considerar como somos induzidos a não fazer nada até tirarmos a própria vida, eu acho que...

— Não acho que possa ser assim.

— Mas eles levaram minha mãe...

— Eu acho que levaram.

— Você não viu acontecer?

— Mais ou menos. – nenhuma palavra dele foi clara como sempre, me calei sabendo que não levaria a nada debater sobre isso. – Não quero que fique se preocupando com essas teorias do mundo, viva sua vida, seja feliz.

Mesmo que minha vida não tivesse sentido algum?

A Rainha dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora