Capítulo 14 - Agora

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Você vai ver Chloe, não se assuste, obedeça a seu pai, amo você.

Encarei o teto do meu quarto e senti como se ainda não tivesse acordado de reviver as lembranças. Pensei que aquele dia acontecia no seguinte ao que minha memória foi roubada, porque aquelas mesmas palavras haviam ecoado em meus ouvidos de manhã. Me levantei para confirmar se estava no tempo certo, meus pensamentos estavam uma bagunça e minha têmpora latejava. Abri as portas da sacada olhando para cima.

— Miguel...? – chamei mesmo sabendo que ele não estaria ali. Percebi de súbito que o nome dele saiu naturalmente de minha boca, como quando eu era criança. Eu tinha tanto para questioná-lo, ele me torturava jogando de volta o que vivemos e simplesmente desaparecendo de novo.

Como tinha sido o dia anterior mesmo? O caracol no aquário respondia. Tinha que colher o café da manhã dele. Fui ao quarto de meu pai, ele ainda estava dormindo, era mesmo um sábado muito cedo. Sentei-me na sua cama e encolhi os joelhos, toquei seu cabelo.

Obedeça a seu pai.

Foi por isso que deixei de questionar suas ações? Recusava-me a acreditar que meu pai tentou me prender naqueles últimos anos. Fui eu quem parou de fugir, pois não tinha mais Miguel nem Alec para me motivar.

— Pai...

Ele se mexeu.

— Por que... já acordou?

— Tive um sonho. – isso despertou melhor sua atenção e ele se sentou segurando minha mão.

— Como foi?

— Sonhei com a fazenda que a gente morou. Um anjo desceu no meio do campo de lavanda.

— É um cenário bonito demais para colocar um anjo.

— Ele era bom e me aconselhou a obedecer você.

— Foi sua própria consciência te aconselhando, Alice. Você sabe o que é bom pra você.

— Porque nós mudamos de lá?

— Eu te disse, as produções não iam bem lá.

Ele se levantou como que para encerrar o assunto. Eu aceitei fazendo o mesmo, não havia motivos para ele responder a verdade agora. Descemos para tomar café, mas saí para o quintal com minha xícara de chá procurando pelas folhas adequadas para dar ao Brás. Arranquei as maiores de Canna glauca, uma flor amarela que sempre parecia meio murcha e cheia de sardas laranjas, gafanhotos devoravam.

Vi Alec do outro lado da rua saindo de sua casa com o cabelo amassado de quem acabou de acordar e uma mochila pendurada no ombro. Por causa das lembranças parecia que o último sentimento que ele me causou foi solidariedade, quis abraçá-lo e não pensei muito no ato enquanto atravessava a rua em sua direção.

Ele segurou firme a mochila como se fosse jogá-la em mim para me parar, mas acabou ficando estático enquanto eu o abraçava segurando folhas de Canna glauca e uma xícara em suas costas.

— Que isso agora?

— Não sei...

— Ainda está pensando no que aconteceu anteontem?

— Anteontem? – olhei para ele.

— O suicídio do professor.

— Ah... não, acho que... – não completei que tinha esquecido, soaria insensível demais e eu não estaria tão distraída se não tivesse viajado para o passado enquanto dormia. – Onde você vai?

— Procurar estátuas. – ele deu de ombros.

— Porque você está tão determinado a fazer isso? A única coisa que pode acontecer é você irritar alguém.

— Eu quero irritar alguém. Aliás, como foi o passeio ontem à noite?

— Você viu...?

— Não tem como não ver um cara daquele tamanho na sua sacada.

— Ele vai vir hoje de novo... eu posso perguntar sobre as estátuas.

— Ainda acho que seria mais legal amarrar ele pra interrogar. Você confia nele?

— Sim.

— E o que ele quer com você?

— Me ajudar. Você lembra o que aconteceu no meu quarto com Chloe?

— Você falou sobre possessão, mas não me explicou mais nada.

— Bem, eu acho que ele tem respostas pra isso. – Alec assentiu em compreensão.

— Então você quer ir comigo ou agora só sai com seu novo amigo alado? – mal ele sabia que conheci Miguel antes dele.

— Vou com você. Só tenho que dar comida pro Brás e avisar meu pai.

— Esperando. – lhe dei as costas para ir, mas Alec segurou a manga da minha blusa. Ele deixou a mochila escorregar para o chão e foi sua vez de me abraçar repentinamente.

— Que isso agora? – devolvi a pergunta.

— Acho que tive um déjà vu.

A Rainha dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora