Capítulo 45 - Explosão

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De acordo com Alec, estava relacionado à genética. Tendo pais demoníacos com parentesco humano, havia vinte e cinco por cento de chance de Areia não nascer um demônio. O que era uma injustiça dupla com tantas crianças que poderiam ser completamente humanas e tinham que viver na ilha porque os anjos não se importavam em conferir. Eu queria mudar isso, Miguel tinha as asas de volta, ele já podia ser meu transporte para o mundo. Eu precisava dizer a meu pai que nossa intenção nunca foi ficar ali, eu gostaria de resolver as coisas mesmo com toda a negação de Miguel. Não fazer nada parecia muito mais estúpido do que tentar. Mas ele não me levaria se eu não o convencesse antes. Não sabia como redirecionar nossas vidas de volta a esse assunto.

Miguel voava acima do mar em pleno contentamento, parecia que ele se preocupava em não sair da minha vista, gaviões o acompanhavam no voo, mas já estava escurecendo. Eu ainda não tinha sido levada para uma volta.

— Está ficando meio frio, vamos voltar? – Alec perguntou cruzando os braços nus, Laura estava usando a jaqueta dele e o abraçou de lado. Areia tinha ficado em casa lendo livros com meu pai.

— Podem ir.

— Entendi, quer ficar com ele sem seu pai por perto. – Alec provocou.

— Não é isso. – eu sorri.

— Ele está lá em cima há um tempão, porque não o chama com seus poderes?

— Meus poderes só servem pra ações ruins...

— Ele não se importaria com isso, eu disse que ele estava apaixonado.

Revirei os olhos.

— Mesmo assim, não acho certo fazer isso com ele.

"Vamos esperar ele descer." – disse Laura.

— Alec está tremendo, vão na frente. Preciso mesmo conversar com Miguel.

"Tudo bem."

Depois que eles foram, fui até a borda da pedra apenas para referenciar minha antiga forma de chamar a atenção dele. Encarei o mar lá embaixo e busquei Miguel no céu. Ele tinha mergulhado em minha direção com as asas encolhidas para ganhar velocidade. Abriu-as quando chegou à minha frente para frear, dei passos para trás abrindo espaço para o pouso dele.

A camiseta que ele vestia estava em farrapos, a gola rasgada caía deixando seu ombro a mostra. Seu rosto elegante anulava um pouco este desleixo, era tudo tão perfeitamente milimetrado, nenhuma marca, nenhuma pinta. Suas olheiras acumuladas tinham sumido, seus olhos brilhavam mais.

— Precisamos te arranjar outro manto.

Ele terminou de rasgar a camiseta nas costas e a tirou completamente.

— Acha que seu pai vai ficar bravo por isso também?

— Por isso, não. – eu sorri.

— Desculpa por te beijar na frente de todo mundo. Eu fiquei tão feliz que achei que seria um bom momento, queria que você sentisse isso, não aquele humano depressivo que fui na ilha.

— Então, não se arrependeu?

— Não, porque eu me arrependeria?

— Agora estou pensando na sua transformação. Foi quando eu comecei a sentir você de novo. E se... eu te controlei para me beijar? – ele pareceu confuso. – Você não saiu da minha vista e desceu quando eu queria. E se estou te controlando sem que nenhum de nós dois perceba?

— Tenho certeza que estou agindo por conta própria.

— Você pode pensar que está.

— Eu sei o que eu quero e é o mesmo que você. Se eu não me mantiver perto de você, tenho medo de voltar a ser... insensível.

— O que está dizendo? Você nunca foi insensível. – me aproximei dele.

— Eu não sei... A imortalidade te deixa indiferente a algumas coisas. Não quero deixar de ver o mundo como antes. Mesmo não tendo me aceitado totalmente como humano, eu amei sentir.

— Sempre estarei aqui pra te lembrar de tudo. – ele segurou meu rosto como mais cedo, coloquei a mão em seu peito e me ergui para beijá-lo, consciente do que estava prestes a acontecer dessa vez.

Pisei em seus pés e senti as asas se balançando para nos fazer levitar. Mas o beijo começou a ficar mais molhado que deveria, me afastei quando senti um gosto amargo. Um líquido escuro rodeava a boca de Miguel.

— O que eu fiz? – perguntei.

— Não vem de mim. – ele tocou acima de meus lábios, fiz o mesmo. O líquido escorria de meu nariz. – Não consigo te curar...

A náusea me acometeu fortemente e tossi buscando evitar o vômito. Voltamos para o chão, me soltei de Miguel abraçando minha barriga.

— Ontem, muitos fantasmas vieram à noite. – falei.

— Você tem que descansar então e parar de aceitá-los.

— Tem alguma coisa errada... – tossi dessa vez cuspindo o líquido tão escuro e reluzente quanto tinta preta. Miguel me segurou para que eu não caísse de joelhos.

— Vou te levar pra casa.

— Não... Se afasta, acho que não vou conseguir...

— Alice...

Tudo aconteceu seguidamente. Induzi Miguel a ir para longe de forma tão brutal que acabei jogando-o para fora da pedra. Uma pressão surgiu comprimindo meu crânio e não vi mais nada. Gritei sem me escutar, a essência acumulada em mim explodiu ao meu redor, fazendo a pedra vibrar sob meus pés. Do mesmo jeito que saiu de mim, tudo voltou de uma vez. Eu sabia que não podia deixar aquilo solto no mundo, principalmente onde viviam os humanos de verdade. Forcei cada partícula de essência a se infiltrar em mim de novo, mas fazendo isso não consegui manter a estabilidade, era como se algo pastoso não dissolvesse, meu corpo queria expulsá-la. Senti como se meu cérebro fosse derreter, perdi as forças e deixei-me cair.

A Rainha dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora