Capítulo 28 - Areia

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O mar era tão azul. Meu rosto estava pressionado contra as tiras da rede, então eu podia olhar para baixo facilmente sem que os dois anjos que me carregavam notassem. Mas só o que eu via era água, não existia nenhum ponto de referência para me orientar. Estávamos voando há vários minutos e não parecíamos estar perto de chegar, a tarde quase ia embora, mas mantinha o sol e as nuvens alaranjadas.

A visão de minha mãe mergulhada em sangue voltou a minha mente. Deixei minhas lágrimas salgadas se juntarem com o restante do sal do mar. Uma de minhas pernas escorregou por um dos quadrados da rede, foi um pequeno alívio por um momento. Meu tornozelo ardia de dentro para fora e o balanço do voo não facilitou para ignorar a dor.

— Eles vão pressentir nossa chegada se a deixarmos na praia. – disse um dos anjos.

— Vamos soltá-la nas pedras, é melhor que adoeça e morra o quanto antes.

— Não, por favor! – agarrei a mão de um deles através da rede totalmente em pânico. Eu poderia não sobreviver, poderia cair como Alec.

— Está acordada!

O anjo que segurei parou no ar.

— O que está fazendo? – perguntou o outro em indignação e percebendo que a responsável pela pausa repentina no voo do amigo era eu, ele tomou impulso para cima encolhendo as pernas. – Demônio!

Então seus pés colidiram contra meu corpo, acertando meu peito. Minha mão se soltou, assim como o anjo hipnotizado soltou a rede. Meu mergulho não foi sutil como tinha sido há algumas horas antes no encontro com as raias. Afundei muito rápido, mas ainda tinha ar suficiente em minha boca para que eu tivesse tempo de me desenroscar da rede. Não encontrei nenhuma brecha, nenhuma parte se esticava ou rasgava, meu tornozelo doía quando eu tentava nadar. Apliquei mais força em minhas mãos para arrebentar as tiras e atrevi a passar meu corpo pelo buraco da rede. Permiti que as últimas bolhas de ar em mim saíssem para que conseguisse completar o que comecei. Com um breve obstáculo do quadril me livrei da rede e me impulsionei para a superfície. Inspirei assim que coloquei a cabeça para fora da água, mas logo em seguida uma onda me cobriu e continuou assim até que eu chegasse às pedras. Embaixo de uma delas, onde a água chegava apenas com ondas maiores, esperei um pouco para recuperar o fôlego e me esconder caso os anjos ainda estivessem ali.

Espiei o céu. Apenas nuvens. Encontrei um caminho entre as pedras, segui mancando e tentando não escorregar para machucar o outro tornozelo. Tive que escalar uma pedra, a descida foi cautelosa, mas arranhei as mãos e o calcanhar. Talvez eu não sobrevivesse para chegar à areia, já me sentia exausta.

Caí de joelhos assim que a areia fez meus pés desequilibrarem. Encarei os pingos de meus cabelos que caíam na areia pontilhando-a. Precisava de alguma coisa e não encontraria nada nos grãos de areia. Olhei ao redor e vi apenas um homem à minha frente. Ele estava meio distante, mas tinha passos apressados e sorria. Me senti grata por receber um sorriso.

— Acabou de chegar? – perguntou ele, mas antes que eu tomasse fôlego para responder, outro homem o fez, saindo do meio das pedras.

— Os anjos meteram o pé nela, achei que ia morrer.

— Ela parece em bom estado.

— Vocês... vão me ajudar? – implorei.

— Vamos, sim, lindinha. – ele se aproximou. – Mas vivemos na base de trocas aqui.

— Não tenho nada...

— Não tem, né? – ele ainda sorria, mas seu olhar era muito estranho. Percebi que eles tinham me cercado. – Então nesse caso, você tem outra serventia.

A Rainha dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora