Capítulo 44 - Asas

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Meu pai chamou Miguel e eu para conversar no laboratório. Tentei não ficar ponderando sobre o que ele queria nos dizer. Não sabia se ele já tinha percebido como Miguel e eu nos comportávamos na presença um do outro, porque Laura percebeu, mas sendo surda ela estava sempre observando ao máximo as expressões das pessoas. Meu pai estava sério quando entramos.

— Como estão as costas? – perguntou a Miguel que tinha as mãos nos bolsos como se sempre tivesse sido um humano com essa mania. Foi incomum vê-lo ali dentro, onde meu pai trabalhava, ele não combinava com o cenário.

— Já esteve pior.

— Eu tenho algo que pode acabar com sua dor. – meu pai pegou um frasco escondido em meio a outros vazios. Aquele estava cheio de um líquido escuro que cintilava. – Antes eu estava desesperado para encontrar um jeito de ir atrás de Alice, até pensei em construir um barco sozinho. Mas eu contei a Alec que com uma pena de anjo eu poderia tentar preparar uma poção que ia nos ajudar. Ele tinha a pena de Miguel e não hesitou em desistir dela, mesmo que não fosse mais ver a irmã. Então usei uma pedra solar... – meu pai se virou para mim. – Elas são...

— Eu sei, vieram do planeta dos anjos, estão nas estátuas agora.

Meu pai me olhou com culpa.

— Eu queria ter te contado essas coisas, mas nunca consegui...

— Não tem problema, continue.

— Alec me trouxe uma, então logo a poção ficou pronta. – ele rodou o frasco entre os dedos.

— O que ela faz? – perguntei. Miguel parecia pálido.

— Não tenho certeza se vai funcionar, mas é possível que faça as asas crescerem de volta.

Não evitei um sorriso, era tudo que um anjo desejaria. Miguel ainda estava sem fala.

— Pode ter algum efeito colateral? – questionei.

— Não é pra ter se são as asas dele. – meu pai respondeu. – Eu só demorei a tomar porque estaria roubando as asas de Miguel e eu não tinha certeza de que ele tinha sido banido, não sei o que poderia acontecer... Mas eu estava a ponto de fazer isso, me desculpe.

— Não se desculpe pelo que não fez. – disse Miguel.

— Quando vocês chegaram estávamos discutindo as direções de supostas ilhas antes que eu tomasse a poção, foi por pouco...

— Se eu tivesse uma família, faria a mesma coisa.

— Agora acho que o mais certo a se fazer, é deixar que você comprove meu experimento. – meu pai estendeu o frasco para Miguel, ele o pegou jocosamente. – É melhor irmos lá fora. Se as asas se restaurarem, vai ser de uma vez, vão bater em tudo.

Miguel encarava o frasco com os lábios apertados. Eu e meu pai o encaramos demonstrando que não entendíamos o que ele estava esperando para seguir em frente. Miguel percebeu.

— Eu só... acho que não estava preparado para ouvir isso hoje... – ele deu um sorriso rápido para contê-lo como se tivesse receio da felicidade.

— Mas também não estava preparado pra ter suas asas arrancadas de repente.

— Na verdade, me preparei pra isso desde que fui seu cúmplice quando você desceu para vir falar com Ellen.

— Não precisa desenterrar o passado. Toma logo esse negócio.

Miguel abriu o frasco e o virou na boca de uma vez.

— Lá fora! – meu pai o repreendeu tarde demais. Miguel saiu correndo e fomos todos atrás.

Laura, Alec e Areia também saíram da casa assim que falei a eles o que tinha acontecido. Miguel mal chegou à varanda e logo caiu no jardim como se tivesse sido empurrado. Uma corcova se formou em suas costas e rasgou sua camiseta manchando tudo de sangue. A estrutura começou a se formar alongando ossos simétricos em cada lado, depois músculos logo sendo revestidos pela pele e por último nasceram as penas perfeitamente alinhadas em várias fileiras da menor até a maior nas extremidades. Um par extraordinário de magnitude se erguia no ar.

Foi lindo ver Miguel eriçando as penas como se estivesse ajeitando-as no lugar. Ele se levantou com o maior sorriso que já vi no rosto de qualquer pessoa. Então eu o senti, sua presença angelical foi detectada por toda a minha essência demoníaca. Deleitei-me no sentimento e fui em direção a Miguel para abraçá-lo, seus braços estavam prontos para me ter, mas suas mãos se ergueram para segurar meu rosto. Os lábios dele foram trazidos até os meus em um choque demorado, daqueles que prendem as partes em contato por um longo segundo. Beijar um anjo não era banal como os beijos humanos, durante o toque senti tudo o que Miguel era, cada partícula de felicidade e grandeza que ele estava sentindo e principalmente sua aura.

Obviamente tudo evaporou quando ele se afastou, nem consegui esboçar reação, meu pai logo começou a atirar em Miguel as pedras que decoravam o jardim.

— Como se atreve?!

— Muito obrigado por isso, amigo. – Miguel o abraçou e meu pai se debateu sem conseguir lutar contra a força dele.

— Não me agradeça, eu vou arrancar as duas de novo.

— Sério, George, obrigado. – ele soltou meu pai que cambaleou para trás com o rosto revestido em desgosto. – Ei, vocês precisam de uma cura. – ele estendeu a mão para Alec e Laura.

Aos sorrisos, ambos tocaram a mão de Miguel. Laura soltou a bengala e desceu saltitante da varanda, Alec tirou a tala e a abraçou. Eles começaram a agradecer Miguel.

— Nada que eu já não deveria ter feito por vocês.

— Ótimo, agora voa daqui! – meu pai retomou sua fúria. Por um momento fiquei mesmo com receio de que ele fosse sair voando para longe como antes. Mas não havia mais motivo para se afastar de mim, além disso, meu pai acabara de ver o quanto nos gostávamos.

Miguel olhou para mim e esperei que ele notasse minha vontade de beijá-lo de novo. Então ele olhou para Areia que não estava nem um pouco impressionada com as asas ou com o romance repentino.

— Espera... – Miguel se aproximou de Areia com cenho meramente franzido. – Eu não sinto nada em você.

— Que bom, não quero me envolver num triângulo amoroso.

— Não. Eu sinto todo o poder que emana de Alice, mas de você... Não consigo sentir essência demoníaca nenhuma.



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Card da Laura


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A Rainha dos AnjosOnde histórias criam vida. Descubra agora