10. Sue - Parte 2

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______ALERTA DE GATILHO_______

POV SUE:

Setenta e cinco dias. Estou sem comer a cinco dias. Por incrível que pareça, meu estômago já não dói, talvez doa e eu só não sinta. A dor da perda e da violação são bem maiores, não consigo me levantar, não estou presa a nada, eu apenas não consigo me levantar.

Meu corpo não tem forças, minha mente tampouco, me sinto esgotada.
Noite passada tenho certeza de que vomitei meu suco gástrico, senti tudo queimar.

Já consigo ver a real tonalidade da minha pele em boa parte do meu corpo, consigo abrir os dois olhos.

O quarto fede, mas fede bem menos que Thomas.

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Oitenta e oito dias. Estou me alimentando uma vez por dia nos últimos cinco, Thomas está feliz e não me bate. Tento forçar uma cara de felicidade toda vez que ele aparece.

Ele me dá uma garrafinha de água todas as manhãs, não sei o que aconteceu para tamanha felicidade mas espero que continue assim por muito tempo.

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Cento e dois dias. Estou tendo três refeições ao dia e podendo assistir tv, as coisas estão melhorando na medida do possível.

Faz dias que não apanho. Thomas chegou aqui com muitas refeições e me pediu para cozinhar, eu colocaria veneno se soubesse onde tem.

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Cento e vinte e um dias. Sonhei com Emily, ela parecia feliz. Estava cantando Twenty One Pilots, me fez lembrar do dia que a forcei a ouvir todos os álbuns e ela só gostou das músicas que tinham gritinhos. Perguntei como ela conhecia "My Blood" e ela disse que tinha visto um edit um dia mas que não sabia a quem pertencia a música.

As lembranças são o que me mantém sã. Todos os dias me lembro de quando George chegou no orfanato, estava assustado e com fome. Jane e eu o ajudamos. Jane...

Como eu sinto saudades da minha loira Jane. Ela foi minha melhor amiga desde que eu consigo me lembrar. Antes do George, Jane era a única pessoa com quem eu podia contar. Eu sinto saudades.

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Cento e trinta e nove dias. Pela primeira vez Thomas me permitiu deixar a tv ligada na hora do jornal, eu não entendi nada do que os repórteres falaram, estavam em outro idioma, mas Thomas parecia entender muito bem. Desde quando ele fala outra língua?

Ele está nervoso, algo que foi dito não o agradou. Será que falaram sobre mim? Não, ninguém deve saber sobre mim. Mas alguém deve saber sobre ele. Sinto que o pior irá acontecer essa noite.

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Cento e cinquenta dias. Finalmente estou me recuperando da última agressão, hoje poderei tomar banho, o segundo em meses. Minhas partes íntimas doem muito, perdi as contas de quantas vezes fui estuprada. Eu não aguento mais tentar ser forte.

Não é como se eu fosse ter estocolmo e sair por aí amando Thomas e fazendo todas as suas vontades, esse homem é um maníaco e precisa ser parado, nem que eu suje minhas próprias mãos.

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Cento e sessenta dias. Mais uma vez fui agredida. Parece que os negócios do diabo não estão indo bem, ele chega bêbado quase sempre e me espanca todas as vezes.

Mal me alimento, minha alimentação foi reduzida a uma fruta por dia. Nem me lembro qual foi a última vez que tomei água.

Eu queria gritar na esperança de ser ouvida, mas gritar para quem? Ninguém vai me ouvir. Não posso correr o risco de Thomas querer me estuprar mais uma vez. Eu não aguento mais!

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Cento e setenta e dois dias. Tomei banho, chorei tudo o que tinha pra chorar, bebi o máximo de água que pude do chuveiro. A água tem um gosto horrível mas é melhor que nada.

Hoje o jantar foi pizza, torci para estar envenenada mas creio que não estava já que Thomas também comeu. Eu nunca desejei tanto por veneno como hoje.

Hoje pude assistir tv, vi muitos programas, incluindo o jornal. Thomas viu o jornal com um sorriso se orelha a orelha, parece que os negócios voltaram a ficar bons.

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Cento e oitenta e três dias. Estou a treze dias sem comer. Meu corpo está fraco e cheio de hematomas, por sorte, acabei de me livrar de mais um estupro. Alguém ligou para Thomas e ele saiu às pressas.

Ele chegou aqui furioso, estava com as roupas ensangüentadas, mas era o sangue de outra pessoa. Ele descontou toda sua raiva em mim, me deferiu chutes em todo o corpo. Minha cabeça sofreu um grande impacto contra a parede.

Minhas roupas já não cabem mais em mim, elas caem, nem mesmo a calcinha cabe em mim. Sinto que não irei passar de hoje, não tenho mais forças para respirar. Minha vista está embaçada.

Já não consigo abrir os olhos, estou muito fraca, mas ouço uma voz muito conhecida chamando o meu nome. Só posso ter morrido e estou no céu.

Faço força para abrir os olhos e vejo uma silhueta feminina em minha frente.

— Sue

É tudo o que consigo ouvir antes de apagar.

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O Acaso - EmisueOnde histórias criam vida. Descubra agora