Capítulo 1

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O tapa machucou tanto que Aisha sentiu o gosto de sangue na boca.

Ela permaneceu com o rosto virado e os olhos fechados, desejando que o   sangue corresse mais rápido e fizesse a dor parar. Suas mãos e pés   estavam amarrados, de forma que nem mesmo poderia tocar o local   dolorido.

- Já  disse que não sei onde eles estão. - ela  disse, trincando os dentes e se  virando para encarar a Baronesa Pinoua.

-  Não consigo  acreditar nisso, Srta. Castillo. - disse a Baronesa. - Vocês  iam para a  mansão de inverno da família real, mas não tem ninguém lá.  Onde eles  estão? - a mulher perguntou e lhe deu mais um tapa na face  contrária.

- Eu já lhe disse que não sei! - berrou Aisha, cuspindo sangue no chão.

Pinoua   trincou os dentes e se virou, bebendo a água que estava sobre uma   mesinha ao seu lado. Elas estavam ali há pouco tempo, mas suficiente   para Aisha já começar a perder a conta de todos os lugares que doíam. A   mulher asquerosa vinha batendo nela, em prol de descobrir onde estavam   Asterope e o resto de sua família. Mas Aisha não sabia.

Eles   deviam estar na mansão de inverno da família real, mas aparentemente,   não havia ninguém lá. Pinoua havia enviado homens atrás de Asterope,   porém a enorme casa de férias estava completamente vazia. Agora, Aisha   era o fruto de informações mais acessível. E a pressa e a necessidade da   Baronesa fizeram com que ela mesma interrogasse a jovem garota.

Para   a sorte de Aisha, Pinoua não era uma boa torturadora. Ela apenas lhe   dava tapas e de vez em quando puxava seu cabelo, arrancando alguns fios   que deixavam seu couro cabeludo dolorido durante muito tempo. Mas   tirando isso, nada mais. Aisha agradecia por isso, pois sabia que logo   aquilo terminasse, poderia se cuidar e tudo passaria.

-   Estou lhe dando uma chance, Aisha. - disse Pinoua, se aproximando da   garota. - Venha para o meu lado e talvez eu deixe seu noivo e aquela irmã   dele sobreviverem. Mas para isso, preciso que me conte onde eles estão.

Aisha sorriu.

- Eu. Não. Sei. - ela disse, bem devagar, como se a Baronesa fosse uma criança.

Pinoua   trincou os dentes e ergueu a mão, desferindo outro golpe no rosto de   Aisha. A jovem trincou os dentes, sentindo a raiva borbulhar. Ela   aproveitou que a Baronesa havia baixado a guarda e se virou, cuspindo no   rosto da mulher uma mistura de baba e sangue.

Pinoua  arregalou  os olhos verdes em cólera e preparou a mão para outro golpe.  Aisha se  encolheu, mesmo não querendo, mas o golpe nunca veio.

-  Eu  adoraria continuar vendo isso e até mesmo ajudando... - interrompeu  um  homem, segurando o braço de Pinoua. - Porém acredito que a senhorita   aqui realmente não sabe o que queremos.

A Baronesa olhou para a mão que segurava seu braço e vociferou:

- Me largue.

O homem sorriu e apertou um pouco mais. Pinoua arregalou os olhos, mas antes que ela colapsasse, o homem soltou seu braço. Aisha   encarou-o, segurando as lágrimas de dor que queriam cair.

Ele era   enorme, com ombros largos e braços grossos. Sua pele era repleta de   cicatrizes, tão feias que fez Aisha lembrar de Timotthe. Mas a que mais   chamou sua atenção foi a que o homem tinha no rosto. Era uma cicatriz   que começava desde seus cabelos raspados muito curtos e descia até a   boca, retorcendo-a em um ângulo que fazia parecer que o homem estava   sempre com a boca aberta. E quando ele sorria, ficava pior ainda.

Aisha   engoliu em seco, sentindo um medo repentino. Os olhos do homem era   negros, maldosos e pareciam como um poço de dor e tortura, além de haver   um ar sádico neles. Ela estremeceu e se forçou a não desviar os olhos   quando ele lhe encarou.

- Então esta é a noiva do filha da puta do Timotthe Odher.

Aisha   piscou, surpresa. Não pelo fato de ele saber quem ela era, isso era   algo esperado, mas pela forma com que ele chamou Timotthe. Quase como se   o odiasse tanto que nem mesmo os piores xingamentos existentes  poderiam  descrever sua ira. A jovem evitou tremer, se controlando.

- Qual seu nome, senhorita? - perguntou o homem, porém o cumprimento mais pareceu um deboche do que respeito.

Aisha   não respondeu, apenas ficou olhando para o poço de escuridão que eram   os olhos do homem, procurando o significado de tanto ódio que parecia existir dentro dele. O homem trincou os dentes com o silêncio e seus olhos se   arregalaram de forma maníaca, quase como se ele fosse estrangulá-la  ali  mesmo.

- Eu perguntei qual seu nome. - foi mais uma ordem do que uma afirmação.

- Pare com isso, não temos tempo... - Pinoua começou a protestar, mas o homem ergueu a mão, calando-a. E Aisha percebeu que até mesmo a   Baronesa parou, temendo a reação dele.

A jovem encarou os dois e reparou naquele momento que havia apenas eles três dentro daquela sala. Se o homem se descontrolasse, não havia ninguém para pará-lo. E foi   isso que motivou Aisha a abrir a boca.

- Aisha. - ela respondeu. - E o seu?

O homem sorriu, com a cicatriz se retorcendo.

-   Eu sou o Carniceiro de Kroll. - ele respondeu e quando as palavras   saíram de sua boca, Aisha teve que usar o que restou de seu autocontrole   para não arregalar os olhos ou implorar por sua vida.

O   Carniceiro de Kroll era um famoso guerreiro que havia lutado no lado   inimigo na guerra. Ele não tinha uma nação específica e lutava apenas   por prazer, matando quando tinha vontade e torturando pessoas como   brincadeira. As histórias contavam que seu maior prazer era a   tortura. Ele sabia muito bem os piores lugares do corpo, onde mais doía,   onde fazer a pessoa sofrer sem perder muito sangue ou morrer. Esse   homem era um diabo na terra e gostava do que fazia.

E fora ele que havia torturado Timotthe.

Aisha   engoliu em seco. Sua noivo havia passado semanas, senão meses,  sofrendo  nas mãos daquele homem e a jovem presenciara as marcas que  ficaram. Ela  ainda se lembrava da sensação das cicatrizes de Timotthe  nos dedos.

Aliás,  por que ele estava ao lado de Pinoua? A  Baronesa havia contratado ele  como uma forma de piada para que  torturasse Aisha também? Ou tinham  outros motivos?

Aisha   sentiu suas mãos tremerem levemente, mas fechou-as em punho. Se ela   fosse morrer agora, então morreria com a cabeça erguida.

-   Ah, querida. - disse o Carniceiro. - Não tenha medo, não vim aqui para   torturá-la como fiz com seu noivo. Primeiro, eu prefiro torturar homens.   É mais carne para cortar e eles resistem mais. - ele completou, com um sorriso que fez  Aisha  empalidecer. - Segundo, você não sabe de nada que a Baronesa  necessita.  Então não tenho motivos para tocar na senhorita.

Aisha nunca admitiria, porém ela sentiu um alívio tão grande, que quase se esqueceu de onde estava.

-   Mas isso não significa de que no futuro nós não nos encontremos,   querida. - Kroll completou, fazendo com que Aisha ficasse tensa   novamente, porém o homem se afastou dela, andando até a porta da sala. -   Deixa a garota, Pinoua. Temos outras pessoas para interrogar. - ele   disse, por sobre o ombro, e saiu.

A Baronesa apertou o maxilar, com os punhos cerrados. Ela se virou com raiva para Aisha e disse:

- Não fique aliviada, nos veremos novamente.

Pinoua   limpou as mãos em um lenço e seguiu o mesmo caminho que Kroll havia   feito, deixando Aisha sozinha naquele salão. A jovem garota inspirou   longamente, agradecendo pela solidão. Porém, esse alívio não durou   muito. Sua própria cabeça começou a sabotá-la.

Timotthe  e  Asterope não estavam na casa de férias da família real. Onde eles   estariam? Será que haviam fugido e abandonado ela? Será que Timotthe não   sentia nada por ela, ao ponto de ter largado a jovem a própria sorte?   Aisha tremeu na cadeira. Um medo e receio repentino bateram, porém ela   afundou isso para dentro e inspirou mais forte, desejando que o ar   silenciasse sua mente.

Seu  coração batia tão alto que Aisha não  conseguia ouvir mais nada. Mesmo  quando guardas entraram na sala e a  arrastaram para um dos quartos da  mansão, Aisha apenas ouvia seu  coração.

Aisha - A Noiva do LordeOnde histórias criam vida. Descubra agora