nós só estamos te esperando

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Eu acordei só de cueca e o cropped regata branca que roubei do Ten. Estava jogado no sofá e de tênis e meia. Tênis e meia. Não me surpreende que Yuta tenha dormido no chão da cozinha ao lado de um pacote vazio de salgadinho. Ele não estava muito melhor que eu. E, só pelo fato de termos acordado na minha casa, já fiquei satisfeito. Poupou dinheiro da passagem.

Eu e Yuta tomamos café assistindo desenho e depois ele foi embora, assim como eu também fui à floricultura. A ressaca não só me destruiu, como também deixou meu humor num puro azedume o dia inteirinho. À noite, fui para a faculdade assistir a revisão. Já estamos concluindo o semestre e eu confesso que nunca estive tão feliz e aliviado com algo do tipo. Só a sensação de ficar em casa enroladinho na coberta, ao invés de estar numa sala de aula apertando minha mente, me faz ficar legal.

Felizmente, a faculdade é uma bela distração do furacão Ten Chittaphon. Eu estou sentindo falta dele. Guardei suas roupas para não ter de topar com elas toda hora. Pensei em lavar para tirar seu cheiro e deixar com meu amaciante, conquanto isso pareceu mais um tiro em mim mesmo do que uma salvação. Então, só fiz enrolar num saco e colocar onde não vou mexer. Não obstante, não muda o fato de que sinto falta dele. E todo esse tempo distante está me fazendo pensar que está tudo errado, tudo errado sem ele aqui comigo.

Não negarei dizendo que não quero entrar em contato. Eu quero. Não posso. Jogue todas as suas manias num liquidificador e bata até virar um suquinho estilo chernobyl. Você sabe que não pode bebê-lo, porque tem consciência do que está lá. Você evita, mesmo que seja tentador saber como está. Você sabe. Simplesmente sabe. Eu estou com medo de ser um caminho sem volta.

E Yuta estava certo. Eu ainda estou vivo e ainda tem pessoas interessadas em mim. Eu não vou morrer sozinho. Percebi que na vida tudo é questão de fazer, se permitir, de ter consciência de que pode dar errado e mesmo assim arriscar. Eu posso sair por aí, numa festa, beijar na boca e depois namorar, posso me casar com ele e ter quantos filhos quisermos. Eu posso simplesmente mudar de país ou voltar para a minha cidade natal e nunca mais mudar. Tudo depende de mim. É assustador, porém real. Depende de mim.

Mas... Porra, é o Ten. O Ten existe e ele é tudo que eu quero. É por quem estou apaixonado. E eu não quero ficar longe dele. Minha psicóloga fala que estamos em progresso, mas quando surge uma questão dele, eu pareço girar em círculos e trazer à tona tópicos que eu já tinha passado adiante. Eu não entendi muito bem quando me disse isso. Eu ainda não entendo completamente. Porém, compreendo, ele me faz voltar a questionar algumas coisas... Isso não é necessariamente ruim. O que é ruim, na verdade, é como lido com todos esses tópicos. É quase nocivo para mim. Não é proposital.

Ten. O tópico é Ten. O filho mais novo da família Leechaiyapornkul, dona de uma das maiores editoras de toda a Tailândia. Ricos. Quase podres de ricos. Talvez sejam e eu não sei. Detêm uma propriedade grande na bordinha de Bangkok, praticamente em Nakhon Pathom, repleta de natureza e peixinhos bonitos. Uma família problemática e, por isso, o filho mais novo deles também é. O filho que saiu de casa quando nem pelos no saco tinha e que desde então nunca foi de ficar por muito tempo. Em lugar nenhum, na verdade. Em lugar algum. E esse é o mesmo rapaz que aprendeu a ser independente, porque achava que poderia ser feliz sozinho e que não podia contar com ninguém, porque ninguém nunca foi de estar lá por ele. O mesmo filho que fala 5 idiomas e provavelmente já viajou para todos os continentes. Tem certeza de que é jovem demais para se envolver profundamente com as pessoas. Ele sabe que é bonito e desejado, então ele só sorri e rouba o coração de todo mundo. Mas ninguém nunca, nunca mesmo, consegue roubar o seu coração.

E mesmo que viva dizendo que não precisa de ninguém, por trás desses muros há um garotinho assustado implorando por amor há anos... porque nunca teve a chance de experimentaá-lo. Ele só apanhou e foi trancafiado lá dentro por ser considerado fraco e uma verdadeira farsa. E ele nunca, nunca antes deixou esse garotinho ver o sol e pôr a língua para fora sob os pingos da chuva... E agora, de repente tudo mudou. Ele deixa o menino ir ao jardim brincar com as borboletas, mas tem horário para voltar e sair. Um estranho aparece no jardim, sou eu, e eu brinco com o garotinho. Mas sempre que chego perto demais, ele é puxado de mim para dentro da casa, para dentro dos muros, jogado no calabouço. E não há reclamação, não há gritaria. A verdade é que ele passou tanto tempo lá dentro que não sabe o que fazer do lado de fora. Tudo!, eu digo. Você pode fazer tudo aqui fora!, eu repito. Mas ele se acanha e fica perdido.

crises et chocolat༶✎༶tae. tenOnde histórias criam vida. Descubra agora