O luto

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Nem percebi que estava chorando até querer expulsar a dor no peito com meus gritos. Mordi o meu braço para abafar os sons que tentava, quase inutilmente, não fazer.

Acabara de enviar meu irmão para um caminho sem volta. Seus motivos jamais poderiam ser explicados. E, pior, nossa mãe nunca o veria novamente. Eu havia prometido a mesma que teria notícias dele...

Meu coração parecia querer rasgar meu peito e sair, batendo de um jeito descompassado. Meus pulmões queimavam pela dificuldade de respirar e minha cabeça doía com a pressão da mordida que dei, assim como o meu braço. Além da saliva, havia algumas manchas escuras pontilhadas, provenientes da mordida, e eu sentia uma ardência contínua.

Depois de alguns minutos, sentei ao lado do corpo, encostando as costas em uma das prateleiras, me sentindo vazio. Havia conseguido controlar as lágrimas e sentia um buraco no peito, como se o baleado tivesse sido eu. As perguntas não paravam de martelar minha cabeça.

Não éramos filhos do mesmo pai? Será que esse homem também era meu pai? Por que mamãe nunca me contou? Onde meu irmão estava com a cabeça de se meter com esse tipo de coisa?

Se existe a probabilidade do anfitrião ser meu pai, então porquê não soube do jogo também? Bem poderia estar metido nessa confusão até o pescoço, assim como meu irmão, que nunca aparentou ter inclinações tão sádicas. Não me envolveria com esse tipo de merda não estando do lado dos mocinhos, talvez fosse esse o motivo, ou talvez houvesse um sistema de hereditariedade e eu não estava na linha de sucessão. Ou simplesmente não sou filho dele. Sou a cópia da nossa mãe, mas das lembranças que tenho do meu pai, ele parecia ter um orgulho muito genuíno de mim. Além disso, existem fotos dele me segurando nos braços quando criança. Nunca o notei distante do meu irmão, mas eu recebia muito mais atenção, o que poderia facilmente julgar como sendo o fato de ser mais novo, e filhos mais novos receberem esse tipo de atenção não é incomum, mas as atuais circunstâncias me inclinam a acreditar que talvez não seja só isso.

Um ano atrás eles brigaram, mãe e filho, e pouco tempo depois meu irmão se mudou. Nunca soube a razão, mas sua saída de casa deixou nossa mãe arrasada por um período. De toda forma, minha mãe deve ter seus motivos. Ela já devia saber de alguma coisa. Suspeito de que ele tenha se envolvido com isso um pouco antes, ou depois, de brigar com nossa mãe, ou simplesmente eu não conhecia tão bem meu irmão como costumava acreditar. Ele sempre foi doce, prestativo, estar num lugar onde pessoas morrem por um dinheiro incerto não parece algo que ele faria. Mas, ainda assim, isso foi feito.

Depois de um tempo, sabia que não podia ficar parado, algo importante estava para acontecer. Meu luto teria que esperar. Comecei a despir meu irmão, deixando apenas a camisa. Seu sobretudo estava intacto, felizmente. O vesti com minhas roupas e arrastei seu corpo para a parte mais afastada da sala, teria que dar um jeito nisso depois.

Indo para sala principal, com mais segurança, fui até a bancada e enchi um copo de uísque puro, virei de uma vez e me cobri com a máscara. Vasculhei um pouco do ambiente e encontrei um armário com roupas, puxei o ar e senti o cheiro dele impregnado. Era o mesmo de quando morávamos juntos. Pelo menos algumas coisas não mudaram, pensei.

Ouço quando batem a porta e dou liberdade para que entrem.

— Ele está aguardando o senhor... — disse um dos subordinados que estavam o acompanhando antes.

— Como está o estado de saúde dele? — forcei a voz para equilibrar com o abafado da máscara.

— Estável.

— Risco de morte?

Ele pareceu estranhar a pergunta, mas disse o que eu queria ouvir. Por essa noite ele ficaria bem, mas não estaria muito longe do fim.

Round 6 - O policial e a VIPOnde histórias criam vida. Descubra agora