Desejo Ardente [ Beauany ]

Capítulo 3

Às duas e meia da tarde Any encontrava-se à beira de uma crise nervosa, por maiores que fossem os seus conhecimentos de psicologia. Leu atentamente todas as informações que Noah Urrea colhera a respeito de Alicia. Havia anotações sobre o tratamento que a menina recebera em Denver, após o acidente. A contusão na cabeça não fora nada séria e o osso quebrado se recompusera rapidamente. Noah observou, porém, que resultaram algumas consequências do acidente: uma ligeira anemia, dores de cabeça, etc. O mais sério, porém, eram aquelas constantes queixas de dor no estômago. Tratava-se de uma manifestação muito comum entre os adolescentes que se viam submetidos à tensão emocional. A ficha revelava apenas o que tinha acontecido a Alicia no plano físico e não falava de sua emotividade.

O interfone tocou e Any deu um pulo, assustada. Não havia a menor dúvida de que Josh era um homem muito pontual. Sem perceber, ajeitou-se o mais que pôde para recebê-lo. Assim que ele entrou no consultório, olhou rapidamente o belo tapete, a mesa com tampo de vidro, o sofá e as cadeiras estofados com tecido azul e as estantes repletas de livros. Sentou-se e parecia estar disposto a falar unicamente de Alicia.

— Examinei as fichas do Dr. Urrea e os relatórios que ele recebeu de Denver — declarou Any. — Concordo com ele num ponto: o fato de Alicia se queixar de dores constantes no estômago não tem nada ou tem muito pouco a ver com o apêndice. Não é raro alguém que esteja passando por dificuldades emocionais projetá-las, convertendo-as em dores físicas. Conversei com Alicia durante a semana e minha opinião se baseia em alguns fatos um tanto óbvios.

— Quais, por exemplo?

— Bem, a menina sente muita dor e culpa, devido à morte dos pais, a ponto de nem sequer ter condições de discutir o assunto. Não se pode lidar com um problema, a menos que o encare. Alicia ainda não o encarou. Ela por acaso tocou neste assunto?

— Ela se retraiu muito desde o acidente. Tentei conversar com ela, mas minha sobrinha deixou muito claro que não quer falar, pelo menos comigo.

— Um fato ficou muito claro para mim — disse Any, consultando seus apontamentos. — Alicia não apresenta as características de uma menina de doze anos. Assim que a conheci, minha primeira impressão foi de que ela era mais jovem do que uma pré-adolescente. Através da nossas conversas, descobri que ela não tem os mesmos interesses da maioria das meninas de sua idade, como, por exemplo, gosto por roupas, música ou curiosidade em relação a rapazes. Não falou de amigos mais chegados ou das atividades que exerce, mas talvez o senhor saiba de algo.

— Bem, Alicia prefere ficar sozinha. Tentei fazer com que ela se envolvesse com as atividades da escola, mas ela não demonstra muito entusiasmo pelo que quer que seja.

— Isto não é tão fora do comum — observou Any. — Alicia alimenta muitos sentimentos de culpa e provavelmente de raiva. O fato de se negar a ser feliz, no presente, é uma tentativa de se prender ao passado. Seu processo de amadurecimento foi interrompido. Conseguirei perceber isso com maior clareza durante a terapia, caso consiga ganhar a confiança dela. Se a encorajar a falar a respeito dos pais, creio que ela deixará a imaturidade de lado. Infelizmente ela, no momento, se recusa a falar dos pais.

Josh levantou-se e aproximou-se da janela, onde ficou a contemplar a paisagem.

— Sr. Beauchamp, se eu vier a tratar de Alicia, haverá momentos em que terei de lhe pedir para verificar certos fatos que ela me contar. Precisará talvez apoiar a terapia, mesmo que não concorde com o método. O importante, neste momento, é que a menina receba ajuda. Sei que Noah me recomendou, mas o senhor talvez prefira escolher outra pessoa. Garanto que não encararei sua decisão como algo pessoal.

— Por quê? — perguntou Josh, voltando a encara-la.

— Bem, levando-se em consideração como as coisas se iniciaram entre nós...