CAPÍTULO 17

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Livie respirou fundo e desceu as escadas. Na sala esperavam por ela. O coração dela estava disparado, o momento que ela mais temeu e mais esperou nos últimos anos tinha chegado. Ela parou antes de entrar na sala e pediu forças a Deus. As duas pessoas que ela mais prejudicou com seu arroubo egoísta estavam ali, e tudo o que ela queria era não magoá-los mais. Ela não sabia como ia conseguir o perdão deles, mas ela queria ser perdoada, ela queria que eles ficassem bem.
Ela entrou e não conseguiu desviar seus olhos dele, é claro que ele desviou os dele, mas esse breve contato olho no olho lhe deu forças. Ela sorriu.
"Oi, mamãe." Lily sorriu mostrando as presinhas, linda, parecida com ela, Lily tinha os olhos iguais aos dela. Ela estava nos braços dele, ele tentou descê-la, ela resistiu segurando nos cabelos dele. É claro que Lily precisava da força dele, da segurança dele.
Livie se aproximou e tocou nos cabelos vermelhos escuros dela, lindos, com cachos na ponta. Cabelos macios. O coração dela doeu. A realidade estava ali e não podia ser comparada a fantasia. O toque, o cheiro dela, os olhos, a pele. Ela tocou no rostinho sorridente de Lily, e se aproximou mais. Ele se esticou, ficou todo duro e virou a cabeça para longe. Não importava, ele estava ali.
"Eu fiz o que você me pediu." Lily sussurrou sorridente e a abraçou sem sair dos braços dele. Livie se sentiu derreter. Era tão bom! O cheiro dele, o cheiro de Lily! Mas seu pai limpou a garganta e Livie fechou os olhos. Agora viria a parte difícil. Ela beijou a pontinha do nariz de Lily e se virou para Sheer. Ele estava muito grande, logo estaria do tamanho dela, o que não era grande coisa, Livie era pequena.
"Oi, Sheer." Ele estava de mãos dadas com Pride, mas Livie não o olhou. Ela não sabia como olhá-lo, ela tinha de pedir perdão, mas ele emanava muita raiva, ela sentia e se amedrontava. Seu pai sentiu seu medo e deu um passo a frente, tia Marianne também.
"Oi." Sheer respondeu olhando para o chão. Ele não queria estar ali. Isso a machucou, machucou muito.
"Vamos nos sentar?" Kit disse.
"Ann Sophie? Vamos brincar?" Lily perguntou, Ann olhou para Livie. Lily não parecia entender que era a primeira vez que ficava de corpo presente com ela, Livie.
"Você não quer conversar com a mamãe, Lily? Depois você brinca com Ann." Pride disse. A voz dele era controlada, mas seus olhos estavam um pouco mais escuros. Livie o olhou enquanto ele esperava Lily responder.
Lindo. Ele era tão forte, tão alto. Alto demais se ela fosse ser sincera. Uma visão dele com os olhos vermelhos, as presas para fora, lágrimas de sangue descendo de seus olhos, grande e ameaçador, pronto para despedaçar seu pai aquele dia em Homeland, veio a mente dela. Livie respirou fundo e tentou controlar o medo.
"Conversar? Eu e mamãe conversamos o tempo todo. Ela vive aqui na minha cabeça também!" Ele desceu Lily para o chão, ela sorriu e olhou em volta.
"Eu ganhei um mini carro, quer andar nele comigo?" Ann sorriu e acenou para Livie.
"Cabemos eu, você e a sua mãe." Ela completou.
"Ah, vamos, vamos, mamãe?" Lily deu uns pulinhos. Livie quase se rendeu, mas Sheer a olhava sem nenhuma reação, parado e apertando os punhos.
"Depois, eu preciso conversar com Sheer." Ann acenou e saiu com Lily saltitando, ela era linda e inocente.
"Talvez vocês queiram se sentar lá fora, no jardim? Flora e Ben estão dando uma avaliada nele pra nós." Kit disse. Quando ela disse o nome Flora, Sheer olhou para fora, pelas grandes janelas.
"Flora está aqui?" Ele perguntou. Parecia ansioso.
"Sim, ela e Ben vieram dar uma olhada nas plantas. Ben nunca deixou de cuidar das minhas flores. Eu só não consigo fazer ele parar de me chamar de dona Kit. Me faz parecer mais velha, não faz?" Kit disse, Marianne riu.
"Não é pior que ter homens gigantes chamando você de mamãe, isso sim me faz me sentir velha." Tia Marianne disse e todos riram, até Sheer.
"Minha avó diz algo parecido." Ele disse e olhou para Pride, que acenou. Ele não tirava os olhos de Livie.
"Vamos para o jardim, Sheer?" Ele olhou para a janela e acenou. Livie pensou se ele pegaria na mão dela, mas ficou com medo de estender a mão.
"Honor, você vem com a gente?" Ela perguntou. Ele olhou para o chão, todos olharam para ele, inclusive Pride.
"Não." Ele disse sem tirar os olhos do chão. E Livie sentiu vontade de chorar. Ela apertou os lábios para não tremerem e saiu atrás de Sheer.
"Vamos nos sentar ali?" Ela indicou um banco, ele deu de ombros.
"Sheer!" Uma mocinha pequena como Livie se aproximou. Ela usava um chapéu de palha na cabeça e suas roupas estavam sujas de terra. Ela tinha olhos castanhos claros e um rosto de boneca, perfeito. Sheer sorriu e seus olhos brilharam.
"Oi, Flora." Ela olhou para Livie.
"Você deve ser a mãe de Sheer. Muito prazer, sou Flora." Ela, surpreendendo Livie, deu alguns passos e a abraçou. Livie sentiu paz, sentiu segurança.
Sheer a olhava com expectativa.
"Você fez o canteiro?" Ela perguntou para ele.
"Sim. E já começaram a brotar! Vovó ficou muito feliz, muito obrigado!" Flora se aproximou dele e lhe deu um beijo na bochecha.
"Mas tem de continuar cuidando." Ela disse e saiu andando, Sheer ficou olhando ela se afastar.
"Você gosta dela?" Livie perguntou enquanto se sentava no banco ao lado dele. Ele a olhou, os olhos quentes ficando frios.
"Eu só tenho cinco anos, não gosto de fêmeas. Flora é como uma fada, ela fala com os animais e com as plantas, todo mundo sente algo diferente quando fala com ela." Ele disse, os olhos fixos onde Flora desapareceu. Ele enxergava longe, talvez ainda estivesse vendo-a.
"Ela fala com os animais e com as plantas? Isso é uma capacidade Nova Espécie?" Livie ficou curiosa.
"Você está mesmo me perguntando isso?" Ele disse sarcástico. Livie sorriu.
"É. Eu sou a última pessoa a questionar o fato de outra pessoa falar com plantas." Ele acenou sério.
"Sheer? Você me perdoa?" Ela perguntou, assim de chofre. Ele a olhou nos olhos, seus olhos estavam azuis, bem claros.
"Sim, eu perdôo. Você vai conhecer Minerva, ela é minha amiga. Ela teve um filhotinho, ela tinha treze anos e sua mãe tinha morrido. Ela me contou que deu seu filhotinho para uma família cuidar, uma família que o amaria e daria tudo o que ela não podia dar. Minerva disse que desde o dia em que ele se foi, ela nunca mais foi feliz de verdade. Que Beans, ela o chamou assim, era pequeno e indefeso e que precisava ter o melhor que ela pudesse dar, e o melhor era outra família. Ela então me sugeriu ouvir o que você tinha a dizer sobre o motivo de não ficar comigo e com minha irmã." Livie sentiu o peito apertar. Ela não estava na mesma situação que a tal de Minerva. Ela era nova, mas ela não estava sozinha.
"Eu senti medo. Eu tinha a minha família e a do seu pai, eu não era sozinha no mundo como Minerva, mas eu senti medo. Eu senti medo de querer sair para o mundo e não poder. Seu pai..." Ela não queria dizer que sentiu medo de Pride e de sua sede de sangue.
"Meu pai ama você. Todos diziam que ele estava vinculado, ele dizia que estava vinculado, ele faria o que fosse preciso para te fazer feliz."
Sim, ele faria. Hoje, talvez. Mas antes? Livie tinha suas dúvidas.
"Eu errei, Sheer. E perdi muito tempo, eu sinto muito. Me dói tanto olhar para você e receber sua frieza em troca." Ele não respondeu.
"Eu perdôo você, mamãe. Eu só posso dizer isso por enquanto." Ele era grande, falava como um adolescente, mas ainda era só um menininho. Livie agradeceu por ele ter um coração puro e bom. Ela estava apenas começando em sua jornada de redenção. E, graças a Deus e a bondade de Sheer e até de Pride, tudo estava indo melhor do que ela podia esperar. Sheer se levantou e correu de volta a sala, ela foi atrás. Antes de entrar, porém, um rugido terrível atingiu os ouvidos dela, e alguém foi lançado pela janela, quebrando os vidros e rolando no chão. Ela correu para ver quem era quando deu de cara com Pride, enorme, os olhos vermelhos e as presas para fora. Ela gritou de medo e se encolheu no chão.
Honor, todo cortado, veio, se postou a frente dela e rugiu.
"Papai! Pare, é o tio Honor! Papai!" Sheer corajosamente entrou na frente deles. Livie mais sentiu do que viu seu pai garrotear Pride no pescoço por trás, e abraçou as costas de Honor com força quando Pride lançou seu pai longe.
"Pride. Vamos conversar irmão!" Honor disse. Livie se apertou às costas dele.
"Irmão? Você tem coragem de me chamar de irmão?" Pride disse, a voz dele estava totalmente diferente. Nada da voz cantante, melodiosa.
"O que Minerva vai achar de tudo isso? Você não a mandou embora, mandou?" Livie então, entendeu que Minerva, a 'amiga' de Sheer, era a mulher que se casou com Pride. Ela estava vivendo com Pride e era amiga de Sheer. Ela estava vivendo a vida de Livie.
Toda a animosidade, selvageria, raiva e fúria de Pride pareceram evaporar.
"Você não é mais meu irmão." Ele disse e voltou para dentro da casa.
Livie estava com o coração disparado, tudo nela estava confuso e dolorido.
Honor se virou e a tocou no rosto.
"Tudo bem?" Ela o encarou, os olhos claros dele pareciam preocupados, preocupados com ela. Ela o abraçou, abraçou com força, praticamente o escalando, subindo pelo corpo poderoso dele, se pendurando no pescoço forte dele. Ele a abraçou também, cheirou o cabelo dela. Livie se sentiu em casa. Era o toque que ela queria. A força que ela precisava. A força protetora, não a força destruidora de Pride, pautada em descontrole, selvageria e violência. A força de Honor era a força cuidadora, a força do amor e do carinho, da tolerância, da vida. Não ameaçadora.
"Bonequinha?" Seu pai se aproximou, uma grande mancha de sangue na testa, ele estava mancando. Honor a soltou, ela sentiu frio, sentiu dor.
"O que aconteceu?" Sheer perguntou. Livie se lembrou dele, ela o esqueceu em meio ao medo, ao pavor de ver Pride exatamente como estava aquele dia a tantos anos atrás.
"Você está bem?" Ela perguntou dando um passo na direção dele.
"Meu pai não me machucaria." Ele disse a voz fria.
"Sheer, sua mãe está assustada. Tenha mais cuidado no modo como fala." Seu pai advertiu Sheer.
"Se ela tem tanto medo, por que voltou? Estávamos bem, Minerva estava fazendo papai feliz. Agora, por causa dela, a sede de sangue de papai voltou. Tudo por sua causa !" Ele disse olhando para ela, se esticou e uma lágrima vermelha rolou de seus olhos. O azul brilhante de antes ficou vermelho e ele correu. Honor correu atrás, Livie se deixou cair no chão de joelhos. Tudo o que ela sempre temeu, o motivo de ter fugido, tudo voltou, de nada adiantou ficar longe. E ainda perdeu o amor do seu filho.

FILHOTES DE VALIANT - PRIDEOnde histórias criam vida. Descubra agora