Vince era assaltado de lembranças a cada passo. Uma cadeira de espaldar no canto de um salão de festas o fez se lembrar de Anna tecendo passanamarias; o piano refez memórias de Emma sentando-se em seu colo, pousando um beijo em seus lábios e perguntando, deslumbrante em seu novo vestido de festa:
– Que tal estou?
– Majestosa, minha linda irmã – ele teria lhe respondido.
Mais adiante, a sala de jogos com mesas forradas de veludo desgastadas por séculos de bebidas e atrito de dados e cartas o transportou para apenas algumas horas antes, quando seus irmãos despreocupados jogavam e subestimavam a caça que se iniciava, escutando, indiferentes, os nomes dos primeiros mortos. As cartas continuavam nas mesmas posições. Uma, caída ao chão, o fez pensar em tom de repreensão em qual teria sido seu irmão relaxado a deixar ela ali. Aquele era, simplesmente, o seu baralho favorito.
Um grande retrato pintado a óleo na parede maior de outra sala o fez recordar que as feições de seu pai foram exageradamente refeitas, pois ele foi retratado de modo a corrigir todos os seus defeitos. Ele próprio, Vince, estava ao seu lado em um quadro menor. Era um adorável garotinho de longos cabelos negros atados com uma fita de seda e tinha belos olhos azuis. Trazia a aparência de uma criança de dez anos, na época. Abaixo, em uma urna de vidro, em grande parte chamuscada e coberta de cinzas, estava a última roupa que seu pai usava quando fora assassinado pelo caçador Richard van Gloire.
Mais alguns passos, e ele acessou o seu próprio quarto. Era um recanto escuro, com uma grande cama de dossel ornamentada com lençóis de veludo azul bordados com fios de ouro. Compridas velas em castiçais posicionados em cada ponta da cama eram responsáveis pela baixíssima claridade do ambiente, naturalmente sem janelas. Naquela cama, ébrio após uma noite de recitais, músicas, jogos e bebedeiras, acordou com o beijo atrevido de sua amante favorita, Justine, que revelou ter trazido para baixo de suas cobertas as duas amigas que se revelariam em seguida: Laianne e Alicia. Ali, aquecido e amado por três garotas lindas que o disputavam como se ele fosse o último homem do mundo, Vincett viveu os que ele qualificaria como melhores dias de sua vida. Justine, ao sair, havia deixado em sua mesa de escrita um desenho dela própria nua, feito por algum artista ordinário. A arte se aproximava muito de sua beleza original, mas ainda assim não lhe fazia justiça completa. As outras, sem ter o que escrever por falta de escolaridade, colheram uma folha em branco e aplicaram beijos de carmim por toda a extensão da página. Ambas as cartas – o retrato e os beijos de batom – estavam dobradas em quatro pedaços e presas por um peso de papel. Tudo seria encontrado na manhã da despedida.
Uma grande cama redonda sem cabeceira, de fabricação exclusiva, no centro de um salão, cujo acesso se dava por uma escada de três degraus de mármore por todos os lados, o fez recordar de Bertrand e as muitas amantes que seu irmão levou para aquele lugar. Ruídos de gozo e dor foram testemunhados à larga por aquelas paredes, que, talhadas com temas obscuros, caligrafia profana, representações sexuais, símbolos circulares repletos de ideogramas sem tradução e esculturas de bestas infernais de todo o tipo cruzando com mulheres e torturando homens, estavam ainda limadas de sangue humano. Cabeças de touro, de bode e peles diversas de animais encerravam a decoração da tétrica edificação, que era cercada por uma grossa corrente, numa representação próxima do que seria um tatame moderno. Pela primeira vez na vida, sentiu um medo inexplicável de estar naquele lugar.
Ali aconteceu um fenômeno que, à época da ocasião, ele ignorou completamente, mas que agora fazia sentido. Numa das muitas noites de bacanal que teria participado, Vince se lembrava de ter acordado nu, debruçado na cama, com a perna de George por cima de seu corpo. Do pouco que se lembrava daquela noite, via-se deitado olhando para o teto. Por vezes, encarava acima de si o rosto de Bertrand, que se revezava na ação com George, Ian e Ramon. Ele em si tinha as pernas abertas, ora enlaçando a cintura de um, ora a de outro. Prostitutas risonhas beijavam-lhe a face ou a boca, enquanto lhe ofereciam mais bebida para distraí-lo. Ele mesmo havia se importado muito pouco com aquilo tudo, acreditando que sonhava, ou qualquer coisa parecida. Acordou muito indisposto, é verdade, mas creditou tudo o que havia à agitação da noite anterior. Até sorriu das marcas que trazia no corpo, acreditando que as meninas haviam sido especialmente violentas naquela orgia. Achou estranho trazer no pescoço também a marca das presas de um vampiro, mas pensou consigo que talvez uma de suas irmãs tivesse escapado do salão de festas principal para lhe fazer uma surpresa; ele realmente não havia entendido nada, nem sequer se empenhou.
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Vampires will never hurt you
VampireHelena é sobrinha dos Lee Rush, uma tradicional família de caçadores de vampiros da Inglaterra vitoriana. Com apenas 16 anos, assume uma inusitada responsabilidade: servir como isca sedutora para monstros ávidos de luxúria e sangue. Por trás de tão...