Richard van Gloire parecia reconhecer que Helena estava muito aquém dos outros. De maneira discreta e buscando não ofender a noiva, era dado a brincadeiras que mais se assemelhavam a treinamentos. Helena fingia não perceber isso, enquanto realmente treinava em companhia do noivo. Naquele dia, surpreendia o rapaz saltando de uma escada de mais de dez degraus.
- Oops! Eu me rendo...! Não imaginava que minha delicada noiva fosse conseguir pular dessa altura! Isso é fantástico! Algo que nem eu consigo fazer! - mentiu ele, para lisonjeá-la.
- É verdade, Richard?
- Sim! De verdade! Você é muito forte e talentosa! Não é a toa que luta ao lado dos melhores, incluindo a minha pessoa, é claro!
Helena meneou a cabeça. Hoje era capaz de enxergar a mentira nas doces palavras de Richard. Se ela fosse forte como ele dizia, hoje ele estaria ao lado dela, ela pensou. Do nada, outra ideia veio de supetão e atropelou essa lembrança: o que, afinal, se fez do jovem meio vampiro capturado e vendido pelos Martinellis?
- O que fazes, por Deus, que este jantar não sai? - seu tio queixou-se, passando por ela.
- A lenha estava verde, por isso o fogo demorou a acender - ela se explicou, tentando esconder atrás de si mesma o seu modesto arsenal de costura.
Era um dos raros dias de folga da família. A jovem já encarava aquela data com certo dissabor: com o dinheiro da venda do vampiro, o velho Lee Rush havia abordado um mercador para comprar tapeçarias para a casa e vestidos novos para a filha. Bernard e Vincent também ganharam trajes novos, inclusive sapatos, e o próprio Karl se vestia como um barão. Agora ele tinha um relógio novo como o do colecionador. Mas nada tinha sido dado para Helena. Ou melhor: não seria, se Bernard não tivesse convencido a irmã a entregar pelo menos um de seus vestidos antigos. Havia, por coincidência, um que feria mortalmente Angela nas axilas, e que ela não era modesta o bastante para reconhecer que não iria mais lhe servir. Como Helena era ligeiramente mais magra que Angela - não que Angela fosse fora de forma, mas Helena tinha uns dois números a menos que ela - a prenda poderia ser usada sem lhe causar grande suplício. Bernard também entregara à prima uma de suas camisas, e Helena recortava e costurava a peça na esperança de reduzir o modelo e torná-lo mais feminino com alguns pedaços de renda que guardara consigo.
Como as velas haviam sido todas levadas para o salão principal e só lhe restava uma pequena lamparina, assim que caiu a noite Helena percebeu que não conseguiria prosseguir com a costura de seu novo traje. Angela, muito contente, passava de meia em meia hora próxima dela, expondo seus belos vestidos.
- Olhe como é bonito! Como é delicada esta gola alta! E os babados do punho! E estas anáguas rendadas!
De vez em quando, a advertia:
- Cuidado com esta panela! Sei que me invejas e planejas danificar meus novos vestidos, mas meu pai a castigará devidamente se ousares cometer alguma vilania!
- As cinzas do ambiente podem causar danos à tua roupa nova e eu nada tenho a ver com isto - Helena respondeu, aborrecida, ao ver que Angela usava um vestido que ela muito cobiçou com os olhos, rezando para que alguém tivesse a consciência de agraciá-la com ele.
- Vi que este em especial a agradou! Uma pena, meu pai achou que ele combinava mais comigo. E eu não posso contrariar meu querido pai, não concordas?
- Decerto - a isca meneou a cabeça, balançando os cabelos revoltos.
De certa forma, era positivo que aparecesse algum novo tema para distrair sua cabeça com irritações, mas a verdade é que sua mente incansável não parava de pensar no vampiro Arthur Seingalt. Nada, nem sua prima, conseguia se sobrepor ao vazio imenso que a falta de informações sobre ele causava na jovem caçadora. (...)
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Vampires will never hurt you
VampireHelena é sobrinha dos Lee Rush, uma tradicional família de caçadores de vampiros da Inglaterra vitoriana. Com apenas 16 anos, assume uma inusitada responsabilidade: servir como isca sedutora para monstros ávidos de luxúria e sangue. Por trás de tão...