Lágrimas na Planície - V

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Nathan mal conseguia sugar o ar para os pulmões, seu corpo desfalecido de costas sobre o chão, não  lhe permitia ver mais que borrões. Dores no quadril e nas costas pareciam impedir qualquer tentativa de movimento. E embora sua mente já estivesse devagando por horas, na ânsia de preservar seu espírito da condição lascerante infligida ao seu corpo, por alguns minutos voltava a consciência e sentia em sua plenitude aquele momento angustiante em que permanecia preso aquele amontoado de carne que agora não parecia trazer nada além de dor. Orou ao grande espírito e também ao Deus branco para que o tirasse de tal escárnio, porém suas preces não resultaram no paraíso e sim no rosto de um dos meninos que vira mais cedo na aldeia e que agora, virava seu corpo de forma desajeitada causando- lhe ainda mais desconforto. 

Elena e Tokalah, saíram do transe que os dois pareciam imersos, em meio a toda a carnificina com os gritos de Squanto e seguiram rapidamente até o menino.
Enquanto Elena verificava a situação do homem, o garoto tentava explicar a Tokalah sobre quem era aquele homem estranho e quando terminou de fazer isso, Tokalah puxou Elena para o lado agarrando Nathan pelo colarinho, fazendo-o urrar de dor.

一 O que está fazendo? Ele está gravemente ferido! 一 Protestou Elena.

一 Ele é eu um ohunka*

一 Não me importa quem ele seja, está ferido e precisa de ajuda. 一 Elena ralhou.

一 Ele estava com os waikiki que fizeram isso!

一 Está vendo algum soldado por aqui? Certamente houve mortos e feridos entre eles, mas não há nenhum aqui, levaram os seus e o deixaram para trás. Assim como meu senhor Jesus Cristo a grande mãe ensina a ter misericórdia com os alfitos, não é? Mesmo que seja um inimigo, o que ainda não sabemos, devemos ser justos e não é justo lastimar um homem ferido.

一 Acha que um branco ou alguém que serve a eles faria o mesmo por mim, ou por qualquer um aqui?

一 Eu faria 一 Ela retrucou 一 Fiz por Enepay e faria por qualquer um que precisasse da minha ajuda. Eu sou uma mulher branca Tokalah, mesmo que tente esquecer disso dizendo que meu espírito pertence a planície, ainda assim sou uma mulher branca, criada com os costumes dos brancos e mesmo que não queria acreditar há muitas boas pessoas brancas que jamais concordariam com esse massacre. 一 Ela falou de forma agressiva.

一 Não vou ajudar com isso. 一 Disse em mandan largando o homem de volta ao chão, sem se importar de ela entenderia ou não.

Elena fez o que lhe estava ao alcance naquele momento, Nathan havia perdido muito sangue, um ferimento a bala no ombro e algumas fraturas. Mas tivesse tratamento adequado, deveria sobreviver, porém Elena não tinha certeza que conseguiria dar isso a ele.
Tokalah e Squanto continuaram a arrastar os corpos noite a dentro até uma fileira enorme coberta com restos de couro e pedaços de madeira se formar diante dos olhos deles. Assim que possível, voltaria ali e daria um enterro digno aos seus irmãos e irmãs, mas no momento, precisava cuidar daqueles que sobreviveram, levá-los em segurança até o vale. E para isso, teria de cavalgar até lá e voltar o mais rápido possível com cavalos, homens e transporte, para os que estavam feridos demais para andar ou cavalgar.

Encontraram mais quatro pessoas vivas, duas mulheres, um homem e um bebê que lutava para respirar sobre o corpo da mãe morta. Com muita dificuldade e contando apenas com a ajuda de uma das mulheres, que disse ter sido salva pelo cherokee conseguiram içar o corpo desfalecido do homem ao lombo da égua. E ao voltar a pedreira, vendo ser impossível carregarem um homem pesado como aquele num terreno tão desregular, decidiram acampar junto aos cavalos.

Elena tentou ignorar o silêncio e o olhar de reprovação de Tokalah por sua caridade, e concluiu que talvez não houvessem tantas diferenças entre homens brancos e vermelhos, afinal vira o mesmo olhar em Andrew quando decidiu levar Enepay com ela como seu protegido.

一 Terei de voltar ao vale, o mais rápido que puder, então é melhor que fique aqui, voltarei em um ou dois dias. 一 Disse a ela que permaneceu concentrada em seu paciente.一 Há uma fonte de água e os meninos tentaram caçar alguma coisa, ficará frio a noite, melhor se abrigarem com os outros.

一 Não há como levá-lo, não
vou abandonar um paciente 一 ela disse apenas.

一 Faça o que quiser Elêna, mas duvido que valha seu esforço. Tome cuidado e nada de fogueiras durante o dia, a fumaça será vista de longe. 一 Ele disse ela assentiu com a cabeça e o viu montar em Omaha.

一 Porquê homens são tão teimosos e arrogantes?  Mesmo com o que contou sobre esse homem, ele ainda não aceita que fiz a coisa certa.

一 Ele não é apenas um homem, Lua Negra é nosso grande chefe, escolhido pelos deuses. No dia em que ele recebeu seu nome de guerreiro a lua ficou negra tanto quanto os cabelos dele, óbvio que não há de gostar de estar enganado.

一 Isso se chama eclipse, um fenômeno natural, embora seja repleto de misticismo é algo comum, da natureza. Ter acontecido no dia que ele matou um búfalo foi apenas uma coincidência 一 retrucou Elena.

一 Talvez, mas aconteceu no dia em que ele se tornou nosso grande chefe, novamente . 一 Ela disse e Elena deu os ombros  一 mesmo assim não significa que ele esteja certo em deixar esse homem morrer. 一 A indígena ponderou.

****

Quando Andrew adentrou a sala do General, Krigher  o aguardava
com uma garrafa de uísque, uma caixa
de charutos e um sorriso largo.

一 Não errei quando te escolhi pra essa missão, soube que foi um verdadeiro sucesso.

一Se tivéssemos trazido Edward e Elena pra casa talvez seria, mas ele ainda está com os Mandan e Elena sumida. Os prisioneiros que interroguei não sabem dela, talvez não esteja com eles.

一Não há como saber o certo o paradeiro de Elena, mas essa demonstração de força fará os Mandam repensarem a união com Crazy, principalmente agora que fui informado que as tropas dele estão seguindo em direção a Horn, de encontro com o General Custer. 一Disse indicando a cadeira e Andrew tomou o lugar com um suspiro profundo 一  Custer vai dilacerar essa rebelião, colocar a cabeça de Cavalo louco em uma estaca e confinar todos aqueles malditos lakotas e seus aliados em reservas. 

一 Creio que sua confiança em Custer talvez seja exagerada General. Mas voltando ao assunto se ela não está com eles, com que pode estar? Eu consegui seguir o rastro dela até aqueles Crows mortos, mas depois daquilo não havia mais nada, tudo confuso.

一 Não há muitas nações nessa região, já chegou com os Hidatsa, eles não teriam porque mentir. Na reserva ela não está, só pode estar com os Mandan, este clã não saber da presença dela entre eles, não significa que ela não esteja. 一Disse krhiguer servindo o uísque eu sei que me acha frio, mas como disse antes, eu quero muito trazê-los de volta, Edward é o futuro da minha linhagem e Elena é minha menininha. 一 Estou velho demais para o fronte, mas fico feliz em saber que você está disposto a ir até o fim do mundo por ela. 一 Agora beba. Nada como um bom uísque para comemorar ou aplacar as dores.

Andrew bebeu algumas doses com o sogro e depois rumou para casa, tinha mandado Sarah voltar com a mãe para fazenda, então o silêncio dominava no lugar como nunca. Não havia sequer os passos arrastados de Shyhan espanando e varrendo, para tornar menos solitária a sua jornada. Caminhou até o quarto e abriu o roupeiro onde contemplou as roupas de Elena, vestidos, casacos, anáguas e corseletes, dispostos da mesma maneira que ela os deixou. como ela estaria agora? O inverno era rigoroso e as noites cada vez mais frias, Elena certamente não era o tipo de emulher que havia enfrentado o frio, não sabia sequer acender uma lareira. Ele caminhou ate a janela e deixou o ar gelado invadir o quarto com o olhar perdido ao longe.

一Onde você está? 一Sussurou a si memo. Voltou-se ao armário e remexeu nas coisas dela até encontrar um baú com livros, papel e canetas. Não lembrava qual foi a última vez que escreveu algo que não fosse sua assinatura, mas caprichou o máximo que pode na carta a qual foi endereçada a inglaterra. Embora soubesse que Krigher odiaria a ideia de informar aos tios de Elena sobre seu submisso, as cartas deles começavam a se acumular e deviam estar aflitos sem ter nenhuma resposta da sobrinha há mais de dois meses. Era melhor que soubessem a verdade e quem sabe Armand tivesse mais interesse do que Krigher em trazê-la de volta para casa.

Ohunka*: traidor

A filha do General - EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora