O grande Chefe - I

250 31 15
                                    

O som de canto e o odor característico do tchanunpa invadiram os sentidos de Edgar quando recobrou a consciência. O jovem sentia vibração ritmada que os pés dos homens que dançavam ao seu entorno, emanavam a terra e esta por sua vez parecia conduzi-la ao seu corpo dolorido e praticamente nu junto ao chão.

一 Não se mexa 一 disse a velha de rosto carrancudo, inúmeras rugas e verrugas que por muitas vezes lhe causou arrepio.

Edgar tentou relaxar os músculos a fim de aliviar a dor, não sabia ao certo o que havia acontecido mas se lembrava de estar no chão, rodeado por patas furiosas. Seu corpo parecia ter sido mastigado e escarrado por alguma fera bestial e cada respiração custava-lhe uma pontada lascerante de dor.

一 Você vai ficar bem meu amigo 一 ouviu a voz conhecida de Stuart. E em seguida o gosto forte de rum invadir a boca.

Passaram-se cinco dias desse o acidente durante a caçada, embora ainda estivesse longe de estar recuperado, a melhora no estado do jovem fez com que seus companheiros decidissem transporta -lo de volta ao forte Bennington onde acreditavam que ele receberia tratamento mais adequando do que chás, unguentos, danças e canticos sagrados.

Lua Negra viu a pequena comitiva de wakikis acompanhada por quatro homens fiéis de Maralah se afastar pelo deserto pensativo e Macawi tomou lugar ao lado dele seguido por um homem de longas tranças e rosto entristecido.

一 Tokah, este é Urso Branco, a esposa dele desapareceu há dois dias, Maralah cancelou as buscas por ela. Ela pertence aos Hidatsa e por isso Maralah acha que ela fugiu e voltou pra junto dos seus. Mas Urso branco não concorda, não desistiu da mulher 一Disse fazendo o chefe voltar a atenção ao estranho.

一 Ela não fugiu, e até onde ela iria sem um cavalo? Maralah não se importa com nosso povo, mandou os nossos melhores guerreiros pra escoltar esses wakikis, enquanto minha mulher continua desaparecida. Por favor, me ajude. Meu filho ainda não sabe caminhar, como ele vai sobreviver sem a mãe?

Tokalah assentiu com a cabeça e mais tarde pediu uma reunião com Maralah. Quando a noite caiu os dois chefes se encontraram diante da fogueira, desta vez o chefe do clã do sul, estava acompanhado da esposa, da filha Kimimela e da velha ansiã que jogava algumas folhas sobre o fogo enquanto cantarolava baixinho.

一 Precisamos falar 一 disse o velho índio indicando o lugar vago a sua frente e Tokalah sentou-se diante dele com as pernas cruzadas. 一 Estava esperando os nossos amigos de olhos d'água irem embora, pra que não sintam que há atrito entre os clãs, mas você e seus homens não são mais bem vindos aqui.

一 E eu posso saber o motivo? 一 Tokalah levantou os olhos negros a ele.

一 O homem falante, foi leal e sincero com você, você disse que o ouviria, no entanto levou-o a uma armadilha mortal.

一 Eu salvei a vida dele.

一 Depois de colocá-lo diante da morte? Ele era meu convidado e você o traiu, me traiu.

一 Não tinha o direito de trazer aqueles homens para cá, não tinha o direito de virar as costas aos seus irmãos durante o o saque de a cidade dos wakikis. Muito menos de expor seu clã e a nossa nação a eles.

一 Eu não expus a nossa nação, eles não tem ideia de onde os outros clãs estão acampados. Quando seu pai morreu não aceitou o fardo de grande chefe, disse que cada um de nós deveria cuidar e proteger o seu próprio povo, é o que eu estou fazendo.一 Respondeu Maralah fazendo Tokalah respirar profundamente e balançar a cabeça.

一 Não lhe direi o que fazer com o seu clã, mas não vou permitir que suas ações coloquem a minha gente em risco. Pare de negociar com os Waikiki pegue seus irmãos e saia do sul.

一Você não é o grande chefe não devo obediência a você.一 Respondeu Maralah em tom imponente e no mesmo instantes ouviram gritos e choros vindo de fora.
Os dois homens se levantaram rapidamente e seguiram para fora da tenda.
A noite caia e de longe Tokalah vislumbrou o homem que Macawi lhe apresentou mais cedo, curvado sobre um corpo imóvel no chão. Apressou o passo e chegou abrindo caminho entre o pequeno grupo que se amontoava diante da cena.

Urso branco, chorava sobre o corpo molhado e inchado de uma mulher jovem. Haviam marcas em seu rosto e um corte limpo em sua garganta, os olhos permaneciam abertos e vitrificados. Tokah levantou o couro de búfalo o qual ela fora enrolada durante o transporte e fechou os olhos poucos segundos depois de ver o corpo nu e machucado da mulher. Tokalah pousou a mão sobre o ombro do viúvo que foi tomando pela fúria no mesmo instante gritando com sua adaga em punho que queria o escalpo daquele que havia cometido tal profanação a sua mulher.

一Isso nunca aconteceu em nossa aldeia, foram eles, foram os wakiki! 一 Gritou kinahauk chamando a atenção de Tokalah.

一Cale-se! Iyotaka e seus homens são nossos amigos, não é a primeira vez que estiveram entre nós, é providente demais que algo assim aconteça nesse momento. 一 Maralah voltou seus olhos a Tokalah e seus homens.

一 Eu exijo o escalpo dos assassinos é meu direito como marido, direito do meu filho! 一 Urso branco gritou diante do chefe. 一 Me de cavalos e homens e eu mesmo trarei justiça a Anori.

一 Não pode acusar um homem sem provas, o Homem Solitário* assim como a grande mãe, não tolera injustiça. Os waikiki vieram em paz, já estiveram entre nós antes e nunca havia problemas. Desta vez, um Iyotaka saiu quase morto e agora isso?

一 Se pretende nos acusar de algo, faça isso de forma clara Maralah 一 Tokalah seguiu a frente se aproximando de Urso Branco que ainda gritava furioso 一 Sinto sua dor, irmão. Mas a justiça não deve servir ao espírito vingativo e sim ao seu propósito. Maralah não está errado, confio nos meus homens e sei que nenhum deles seria capaz de tal ato, mas não sabemos se foram os waikiki. Cuidaremos do corpo para que a jovem descanse e buscaremos a verdade.

Kimimela e a ânsia se aproximaram da jovem mulher, a velha ajeitou seus cabelos e limpou a sujeira do rosto azulado com pano carinhosamente. Beijou-lhe a testa e desceu as mãos pelo corpo sacudindo um pequeno chocalho até parar sobre o punho fechado.

一 Abra a mão dela 一 disse a velha a Kimimela que a obedeceu e dali retirou uma pequena cruz de prata que foi vista por todos com espanto enquanto Urso Branco urrou pedindo justiça.

一 Ela arrancou isso do assassino 一 kinahauk gritou 一 Urso merece justiça!

Maralah permaneceu instantes sem reação, embora confiasse em Edgar e seus homens não havia o que fazer diante de tal prova. Seus irmãos e irmãs estavam enfurecidos e clamavam por justiça e mesmo que como grande chefe pudesse exigir obediência, impedir que um marido buscasse sua compensação por uma esposa morta, seria negar a sua cultura e costumes. Mas ao mesmo tempo sabia exatamente o que aconteceria se Urso branco e os homens que levasse com ele alcancassem a comitiva dos waikiki. Os olhos d'água seriam mortos e aquele pequeno grupo de jovens eram a esperança de paz com a cavalaria e o governador.

一 Ela não é uma de nós, ela é Hidatsa. 一 Disse Maralah causando espanto a todos 一 Se quiser buscar sua justiça, busque. Não vou impedir, é seu direito como marido Urso Branco, mas nenhum homem deixará a aldeia com esse objetivo. 一 Disse causando espanto a todos.

*****

*Homem solitário (Lone Man)
O Homem Solitário é o mítico primeiro herói humano e cultural das tribos Mandan e Hidatsa. Ele trabalhou junto com coiote para moldar a terra e ensinar as pessoas como viver.


A filha do General - EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora